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Habitação: uma década perdida pelo PS em Lisboa

Foram dez anos de desregulamentação urbanística, monocultura da hotelaria e absolutos recordes de venda de património municipal. Em matéria de habitação, foi uma década perdida.

O vereador do urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, Manuel Salgado, deu nesta semana uma entrevista. Primeiro sublinhado: o braço direito de Fernando Medina está disponível para mais um mandato. Salgado leva dez anos à frente do urbanismo em Lisboa e tem a sua marca profunda nos governos do PS na capital. Foram dez anos de desregulamentação urbanística, monocultura da hotelaria e absolutos recordes de venda de património municipal. Entre 2012 e 2016, a câmara municipal alienou património no valor de 482 milhões de euros. Em matéria de habitação, foi uma década perdida.

Em 2007, Lisboa livrou-se de Santana Lopes e de Carmona Rodrigues e o problema da habitação era uma urgência. Recuperar os trezentos mil habitantes que abandonaram a cidade nas três décadas anteriores era a prioridade das prioridades. Nesse ano, o Bloco propôs a obrigatoriedade de um mínimo de 25% para habitação a custos controlados nos projetos de construção e grandes operações de reabilitação.

Na entrevista desta semana, o vereador do urbanismo de Fernando Medina reconhece que essa é uma boa aposta. Mas passaram dez anos.

As maiorias absolutas do PS em Lisboa conheciam as boas políticas, mas permitiram a expulsão de mais gente do centro e o descontrolo do mercado da habitação.

É certo que as responsabilidades de Fernando Medina são partilhadas com a ex-ministra Assunção Cristas em matéria de expulsão de habitantes da cidade: a agora candidata Assunção Cristas foi a autora do Novo Regime de Arrendamento Urbano, a lei dos despejos, que continua a ser o instrumento para expulsar inquilinos, sejam os mais pobres seja a classe média.

Fernando Medina volta a alinhar-se com Assunção Cristas: a candidata do CDS propõe oferecer a privados o terreno da antiga Feira Popular, em Entrecampos, para que estes construam mil fogos para arrendamento a "custos controlados" entre 500 e 1350 euros mensais, quando o salário médio não ultrapassa os 790 euros. Lógica semelhante é alimentada pelo PS: a câmara dá terrenos e imóveis por toda a cidade; os privados constroem; recebem as rendas durante 30 ou 40 anos e ainda podem vender 30% do que construírem. Medina e Cristas desenterram as PPP.

Opomo-nos frontalmente a estes negócios porque há alternativas para resolver o problema da habitação para a classe média e baixa:

- Reanimar o modelo cooperativo de habitação utilizando o património municipal em regime de direito de superfície;

- criar uma bolsa municipal de arrendamento que mobilize património municipal e introduza incentivos para os proprietários particulares disponibilizarem os seus imóveis;

- criar um programa municipal para apoiar senhorios sem meios na reabilitação dos seus imóveis;

- rever o Plano Diretor Municipal de forma a condicionar o licenciamento hoteleiro em algumas zonas da cidade já sobrecarregadas reorientando para o uso habitacional;

- e, claro, introduzir uma quota mínima de habitação a custos controlados nas grandes operações de reabilitação e nova construção - a proposta bloquista cujo mérito Manuel Salgado demorou dez anos a reconhecer.

Uma coisa é certa: nenhuma maioria absoluta a vai aplicar.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” em 14 de abril de 2017

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro civil.
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