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Habitação social: os preconceitos da direita, a prática em Aveiro

A direita tem lançado as suas garras contra a habitação social. Nesse sentido, o governo aprovou recentemente o novo regime do arrendamento apoiado. A Câmara Municipal de Aveiro foi ainda mais longe.

Em Aveiro, aos votos do PSD e CDS/PP somaram-se o voto favorável do PS e a abstenção do PCP na aprovação do Regulamento de Habitação Social. Apenas o Bloco votou contra este documento que aumenta as rendas, culpa e castiga os pobres, iliba a autarquia de responsabilidades e quer transformar os bairros sociais em guetos.

Esta semana, aos votos do PSD e CDS/PP, somaram-se o voto favorável do PS e a abstenção do PCP na aprovação do Regulamento de Habitação Social. Apenas o Bloco votou contra este documento que aumenta as rendas, culpa e castiga os pobres, iliba a autarquia de responsabilidades e quer transformar os bairros sociais em guetos.

O Regulamento é a transcrição dos preconceitos e dogmas da direita sobre a habitação social.

O regulamento admite: os aumentos de rendas serão incomportáveis

O regulamento vai provocar grandes aumentos de rendas. Vai até fazer com que famílias não consigam pagar a renda. E é o próprio regulamento que o assume em dois artigos.

Primeiro, prevê que a Câmara Municipal “poderá deliberar” um “coeficiente de correção a definir” ou “outro tipo de medidas de apoio social” para acautelar as famílias que com a nova fórmula de cálculo passem a ter na renda um esforço financeiro demasiado pesado.

Noutro artigo, diz também que a autarquia “poderá deliberar” apoios pontuais e excecionais a famílias que “não auferem rendimentos ou apoios financeiros suficientes para suportar a renda decorrente da implementação deste regulamento”.

Temos portanto um regulamento social que admite não ser uma reposta mas sim um problema. Que assume que as rendas sociais que implementará não são comportáveis para várias famílias carenciadas. Mais, que sabendo isso apresenta já a espada a essas famílias sem qualquer alternativa remetendo para um vazio e arbitrário “poderá deliberar” no futuro.

Habitação social temporária e venda de fogos sociais

O regulamento considera que o alojamento social deve ser temporário e não permanente e faz disso pedra basilar. Especifica: “o poder público deve sempre monitorizar as famílias que ocupam as casas e promover que as mesmas saiam e dêem lugar a outras mais carenciadas”. Ou seja, assume que as que saem são igualmente carenciadas, mas que devem ser despejadas para dar lugar a outras ainda mais carenciadas.

Logo a seguir elenca a venda de fogos de habitação social como outra das prioridades. E explica as vantagens: “promove a estabilidade da comunidade e da família; aumenta o nível de inclusão social; garante benefícios sociais ao aumentar a heterogeneidade do perfil das famílias residentes; fomenta a responsabilização do cidadão pela conservação do edificado”, entre outras. Ou seja, os motivos que dá para a venda das casas são precisamente os que mostram que a habitação social deve ser permanente e não temporária. A contradição é evidente porque estamos apenas perante dogmas.

Mas a venda de casas não é solução. O problema do país é precisamente ter pouca habitação social (3,3%, metade da média europeia). Reduzir esse parque habitacional é aumentar o problema.

O objetivo deste tipo de regulamento é transformar os bairros sociais em espaços altamente rotativos e em armazéns de pobres

O objetivo deste tipo de regulamento é transformar os bairros sociais em espaços altamente rotativos e em armazéns de pobres. Estipular como regra que quem melhore um pouco a sua vida, pelo seu esforço e pelo seu trabalho, seja automaticamente despejado é inadmissível. Estas pessoas pagaram a renda a um valor acima do considerado máximo, mas mesmo assim têm que abandonar a casa onde viveram toda a sua vida, onde cresceram, onde fizeram e pagaram obras de melhoramento. É exigido o afastamento da comunidade onde se inserem. Os bairros sociais passam a ser guetos onde os elos sociais são rasgados a cada dia que passa.

Também por este motivo, o regulamento prevê que os moradores não têm qualquer direito sobre as obras de beneficência que fazem nas habitações.

A inexistência de soluções alternativas

Quem é despejado por pagar acima da renda máxima não significa que tenha meios suficientes para pagar uma renda de mercado. O regulamento aponta um caminho: o Mercado Social de Arrendamento, a iniciativa pífia de Assunção Cristas e Pedro Mota Soares. Mas olhando para outro documento (Diagnóstico Social) descobrimos que de 2 de julho de 2012 a 10 de outubro de 2014, formalizaram-se 137 candidaturas a esse programa. Destas, apenas 36 foram aprovadas. Ou seja, não deu sequer resposta à pouca procura. E sabe-se que a maior parte das candidaturas são rejeitadas porque se considera que têm rendimentos mais baixos que o exigido para entrar neste programa social…

No caso da resposta às pessoas sem-abrigo (documento Plano de Ação 2015) o caso é ainda mais grave. Para resolver o problema, a Câmara Municipal propõe-se ir a imobiliárias verificar se existem habitações para arrendamento social. Uma completa falta de soluções e uma enorme insensibilidade e desresponsabilização social.

Ao arrendatário todas as obrigações, à autarquia nenhuma

Aos arrendatários cabem muitas das obras de manutenção da habitação. E a responsabilidade é coerciva: caso não as façam – nomeadamente por carência económica – a autarquia realiza-as e passa-lhes a fatura com um custo agravado.

À autarquia cabem também algumas obras, mas não existe qualquer obrigação. Pelo contrário, existem disposições para que as obras não sejam feitas. Diz o regulamento que as famílias “cujo estado de degradação das suas habitações, por falta de manutenção de responsabilidade municipal, torne o valor da renda injustificado relativamente ao bem locado” possam ser apoiadas no pagamento da renda.

O caso é tanto pior dada a deterioração de vários prédios. No Bairro de Santiago o mau estado da canalização que obriga todos os moradores a terem água amarela a sair das suas torneiras. Necessitam-se obras e de dar dignidade às habitações, não de escapatórias.

Aos pobres a presunção de culpa; o castigo é coletivo

O regulamento prevê que se “existam sérios e relevantes indícios da prática de atividades criminosas” sobre algum elemento, então todo o agregado familiar se vê impedido de aceder a uma habitação social. Não só se presume a culpa sem qualquer julgamento, como a pena é aplicada a toda a família, crianças menores incluídas.

O regulamento prevê que se “existam sérios e relevantes indícios da prática de atividades criminosas” sobre algum elemento, então todo o agregado familiar se vê impedido de aceder a uma habitação social. Não só se presume a culpa sem qualquer julgamento, como a pena é aplicada a toda a família, crianças menores incluídas. Na ideologia da direita, quanto mais não seja, os pobres são culpados de ser pobres

Na ideologia da direita, quanto mais não seja, os pobres são culpados de ser pobres. Bem se viu na discussão em Assembleia Municipal em que deputados da direita defenderam este regulamento porque “há quem viva em Santiago e tenha plasma e telemóvel”. Estão em linha com a ideia de que aos pobres basta não passarem fome.

Para os moradores destes bairros até em coisas simples não se aplica a legislação em vigor. Tudo feito à medida. É à autarquia que compete fazer a presunção de rendimentos e não à Autoridade Tributária. E, no que toca ao número de animais, domésticos também o número é específico para estes bairros: limite de dois de pequeno porte.

Um regulamento intragável

O texto é longo, é certo. Precisamente porque o Regulamento de Habitação Social de Aveiro não é apenas insensibilidade é também um ataque ao direito à habitação e às garantias de um Estado de direito. A Lei n.º 81/2014 era já bastante negativa para os moradores dos bairros sociais. O regulamento de Ribau Esteves não só saúda com entusiasmo essa lei como agrava as condições de vida nestes bairros.

Pena que apenas o Bloco de Esquerda se tenha levantado para a sua rejeição. Também na Assembleia da República, esta semana será discutida o nosso projeto de lei para alterar o regime de arrendamento urbano. É necessária luta social para derrotar esta lei, este regulamento e este ódio social.

Sobre o/a autor(a)

Biólogo. Dirigente do Bloco de Esquerda
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