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Guantanamito

Os moradores do bairro de lata chamaram-lhe ‘Guantanamito'. O que antes era uma escola primária, transformou-se, em 2006, num centro de retenção de imigrantes. O nome explica o resto, nem era preciso relatório da Amnistia Internacional para o denunciar.

Para que se saiba, Guantanamito não fica no Sul de Espanha nem na América Latina, mas em Nouadhibou, a segunda cidade da Mauritânia. E, para que mais se saiba, não foi invenção local, mas uma imposição europeia sob pressão espanhola.

Visitei-o esta semana. Está vazio. Nem um detido, salas lavadas, camas encostadas às paredes, refeitório e até uma farmácia elementar. As autoridades esmeraram-se, mas nem precisavam. Os tempos da sobrelotação e do pão e água três vezes ao dia já lá vão. Entre 1 de Janeiro e 10 de Fevereiro, foram lá parar 72 imigrantes. Rapidamente identificados, são colocados na fronteira com o Senegal. Daí para diante, que cada um se amanhe.

De onde vieram os 72? De uma quinzena de países, incluindo 10 da Guiné-Bissau. Não foram apanhados em mar. Não há ‘piroga' que se atreva desde Maio do ano passado. A eficácia do sistema repressivo, a alta dos preços de passagem e a falta de trabalho na Europa, travaram as vagas de 2006 e 2007. Quem vai parar a Guantanamito são imigrantes que há anos trabalham na cidade e outros que tentaram, sem sucesso, a sorte em Marrocos e que arriscam a travessia do deserto, descendo na direcção da Mauritânia. Raros são os que se encontram ‘em trânsito'. A justificação para o centro desapareceu. Então... porque se mantém? Porque não volta a ser uma escola? A resposta, preocupante, foi-me sugerida por um padre nigeriano da Caritas: a política precisa dele...

Em 2001, Bruxelas cria o Frontex, a agência de segurança de fronteiras da UE. Três anos depois, o Mediterrâneo estava fechado, mas com um insuportável lastro de vítimas e centros sobrelotados. O Frontex giza então a estratégia que transfere para os países de trânsito o odioso da missão. Este outsorcing foi generoso e os aparelhos repressivos das ditaduras do Norte de África beneficiaram largamente dele. As redes de tráfico, contudo, adaptaram-se. Sem Mediterrâneo, reinventaram o Atlântico. Foi assim que o Frontex desceu até à Mauritânia e aos países da África ocidental.

A Mauritânia é um país pobre. A sua riqueza é a pesca, outro apetite europeu. Não estava preparada para a ‘vaga de trânsito' e aceitou o outsorcing. Com um terço do Orçamento dependente da ajuda internacional, não se fez esquisita. Mas houve quem se tramasse. Guantanamito existe agora por causa das estatísticas e por elas mudou de clientes.  Miséria de política ou política de miséria?

Publicado no jornal Sol em 19 de Fevereiro de 2010

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado, dirigente do Bloco de Esquerda, jornalista.
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