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As greves são um direito constitucional, claro, e depois?
São muitas as greves em curso. Abrangem diferentes tipos de trabalhadores, vários grupos sociais. As razões subjacentes são idênticas. As pessoas, os trabalhadores estão fartos das condições de vida difíceis e injustas. O trabalho, quando há, ampara-lhes a sobrevivência, isto não é vida. Querem as suas carreiras revistas, quando não criadas; querem contratos de trabalho; exigem re-estruturação das empresas para conseguirem equipamentos mais adequados às exigências do trabalho ou, simplesmente, equipamentos renovados; querem pôr fim à precariedade. Não é pedir nada inaceitável ou incompreensível. Com as greves apenas revelam como as suas expectativas não estão a obter resposta. Três anos depois de uma renovação luminosa, a lista das situações insatisfeitas é demasiado longa. Não podendo dizer que haja sobressalto social, aguardamos que as várias negociações levem a bom porto. Aguardamos também que, onde não há negociação, ela venha a ter lugar seja por opção das partes envolvidas seja por intervenção governamental. O Governo deve intervir no sentido de forçar a negociação, ou não?
Mas subjacente a este movimento grevista colam-se outras vozes, só para os mais distraídos, num primeiro momento, igualmente indignadas. O caso da greve dos enfermeiros. Os vários sindicatos insurgem-se contra o congelamento das carreiras e durante a fase inicial da greve não se deu pela Ordem. De repente, a bastonária deixou a condição de “congelada” em que se encontrava e ei-la, convicta e desafiadora, a manifestar-se a favor da luta dos enfermeiros. Curioso, como só agora se pronuncia. A Ordem representa os profissionais nas suas preocupações de carácter deontológico e ético, deveria manter alguma distância, não misturar esferas distintas. Ah, mas como dá jeito apanhar esta boleia para ir lançando farpas ao Governo. O Governo tem estado mal, não merece defesa. Apenas me limito a escalpelizar esta colagem insidiosa e populista. Perigosa, ou não?
A somar a uma equação complexa, e face ao elevado número de cirurgias canceladas, vêm os que defendem o recurso aos hospitais particulares, solução que a Ordem dos Médicos também não descarta. Oportunidade única de negócio que o Estado (nós todos) pagará segundo as tabelas estabelecidas. Maravilha das maravilhas! O SNS é sabotado à luz do dia (existe outro nome para aquilo a que se assiste?), o Governo posto em causa, a opinião pública (pelo menos os círculos próximos dos que virão a ser operados) bem alimentada contra o pessoal da saúde em geral e contra os enfermeiros em particular. Até o Governo colabora para este caldinho, veja-se a declaração da novíssima Ministra da Saúde. Chegada de fresco mas segura, muito segura das razões do Governo. Intervenção péssima e distante. Terá ouvido as suas próprias declarações?
O SNS atravessa um mau momento mas não tenho a certeza que as dificuldades sejam apenas estruturais. As formas veladas de sabotagem tomam várias cores e, pela calada, vão fazendo o seu caminho. A greve dos enfermeiros resulta numa oportunidade para quem pretende fragilizar o SNS mas o mau trabalho nos centros de saúde não é irrelevante, pelo contrário é uma contribuição a ter em conta. Os centros de saúde sofrem de muito má gestão resultando numa confusão e decadência assustadoras. A larguíssima maioria dos utentes, cala. Pudera, pensam, se falo, da próxima vez o que me pode acontecer? São as (algumas) instalações indignas; são os mobiliários obsoletos, já tiveram melhores dias; é a dificuldade em dominar a utilização do computador (um computador não é uma máquina de escrever, formação precisa-se!); é o tratamento infligido aos utentes em alguns centros ao mais puro estilo estado novo (voz grossa, falta de entendimento, ausência de comunicação, tom autoritário) e o utente a desaparecer na cadeira; é o ambiente “de vizinha” instalado em que não se protege a distância adequada entre os funcionários (uma familiaridade visível e audível por quem estiver à espera) ou entre estes e os utentes; e, a cereja no topo do bolo, é o próprio incentivo ao recurso ao médico privado para colmatar o que os médicos residentes não asseguram. A quem colhe a degradação a que se chegou? Quem deixou que se chegasse a este ponto? Quem é que dá cobertura à impunidade dos funcionários que lidam directamente com os utentes? Sabotagem, não encontro outra palavra que defina tão bem este cenário em tudo contrário ao que queremos para o SNS. Temos de lhe dar a volta.
Artigo corrigido às 10h30 de 13 de dezembro
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