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Greve da Carris: O grevista indignado

Face a um pré-aviso de greve que iria contribuir para que os trabalhadores do Metro e da Carris convergissem na mesma forma de luta, a Fectrans considerou que a decisão do Sitra de entregar um pré-aviso de motu proprio era um “ultimato” que não podia aceitar. Esta atitude revela um sectarismo doentio.

Hoje, dia 10 de Abril, está em curso uma greve dos trabalhadores da Carris contra a entrega da empresa a privados, em resposta a uma decisão do Governo de, a menos de seis meses de eleições, abrir um concurso público para ver quem dá mais numa futura concessão da empresa.

O Governo e a Administração da Carris-Metro-Transtejo-Soflusa, constituída por pessoas da estrita confiança do PSD/CDS, tudo estão a fazer para destruir o que resta destas empresas públicas

A greve era para ser conjunta com os trabalhadores do Metro mas, para espanto de muitos, a estrutura sindical que convocou inicialmente a greve no Metro, neste dia 10, desconvocou-a à última da hora porque “analisado o acórdão do Tribunal sobre serviços mínimos para o Metropolitano de Lisboa, as organizações responsáveis pela entrega do respetivo pré-aviso de greve consideram que não estão garantidas as condições mínimas de segurança”, dado que “estipula que têm de circular 25% das circulações para transportar todos os utentes de um dia normal, colocando-os sem as condições mínimas de segurança em espaços limitados e sob o solo” (comunicado da Fectrans, 8 de Abril).

O espanto é evidentemente o “argumento” utilizado pela Federação dos Sindicatos da CGTP para anular a greve: a marcação, pelo tribunal, de serviços mínimos de 25% para os trabalhadores do Metro. Daqui decorre uma conclusão muito simples: os trabalhadores do Metro, por vontade da Fectrans/CGTP, não mais se poderão arriscar a fazer uma greve se forem marcados serviços mínimos pelo Tribunal, situação que, evidentemente, este Governo e esta Administração, que foi nomeada pelo governo para acabar de destruir o sistema de transportes públicos em Lisboa, esfregam as mãos de contentamento.

Está em curso um processo de “desengorduramento” das empresas, que, segundo entrevista recente do novo presidente, deverá abranger, para já, mais de 200 trabalhadores considerados “dispensáveis”. Isto para um empresa que, ao mesmo tempo, está em processo de “assalto” aos lugares de chefias operacionais para os amigos e enteados e/ou “encartados”

É preciso que se diga que, no momento presente, o Governo e a Administração da Carris-Metro-Transtejo-Soflusa, constituída por pessoas da estrita confiança do PSD/CDS, tudo estão a fazer para destruir o que resta destas empresas públicas. Está em curso um processo de “desengorduramento” das empresas, que, segundo entrevista recente do novo presidente, deverá abranger, para já, mais de 200 trabalhadores considerados “dispensáveis”. Isto para um empresa que, ao mesmo tempo, está em processo de “assalto” aos lugares de chefias operacionais para os amigos e enteados e/ou “encartados” (cartão PSD/CDS) sob o argumento de fusão de serviços (chamam-lhe “sinergias”), numa empresa que ainda não tem sequer existência legal (pois não tem estatutos, nem mesmo, se calhar, escritura pois não há notícia de se ter constituído como entidade jurídica autónoma correspondendo à abrangência das 4 empresas referidas). Suspeitamos que assim seja porque o anúncio do concurso público para a privatização da Carris e do Metro, está feito em nome do Metropolitano de Lisboa, E.P.E. e é assinado por um senhor que se apresenta como Presidente do Conselho de Administração do ML. Estranho? Com este Governo estranhezas destas têm sido o pão nosso de cada dia, ilegalidades também e, sobretudo, os “fumos” de favorecimento no uso da cousa pública para fins privados, ultrapassam todos os limites da decência.

Por incrível que pareça, a Fectrans acha que, mesmo estando perante um comportamento do Governo e da sua administração deste tipo, autoritário, fundamentalista, destruidor do serviço público de transportes e das empresas, deve ser ela a assumir as “dores” das provocações que Governo e Administração têm feito.

E quando se prefigurava que, o dia de hoje, seria uma grande jornada de luta de todos os trabalhadores dos transportes de Lisboa contra a privatização das empresas públicas, eis que a Fectrans/Carris faz sair um comunicado em que declarava que não “metemos o pré-aviso de greve para o dia 10 de Abril” porque “não aceitámos o ultimato” do Sitra, pois este “em vez de promover a Unidade e a luta, contribui para a divisão entre trabalhadores” por este ter entregue um pré-aviso de greve no último dia útil em que este podia produzir efeitos: dia 25 de Março, 10 dias úteis antes de 10 de Abril.

Sou hoje um grevista indignado. Sei que, como eu, muitos trabalhadores da Carris, filiados na CGTP, estão hoje em greve porque sabem que, apesar dos dirigentes sindicais que têm, a unidade na luta pela defesa do serviço público nos transportes de Lisboa é muito mais relevante para o nosso futuro comum

Face a um pré-aviso de greve que, de facto, iria contribuir para que os trabalhadores do Metro e da Carris convergissem na mesma forma de luta e nos mesmos objetivos, a Fectrans considerou que a decisão do Sitra de entregar um pré-aviso de greve de motu proprio era um “ultimato” que não podia aceitar.

Eu, filiado na CGTP há 35 anos, considero que esta atitude da Fectrans revela um sectarismo doentio e inaceitável, que mina, porventura irremediavelmente, a capacidade de luta unida dos trabalhadores da Carris e do Metro para barrarem a processo de destruição das empresas públicas de transporte.

Por estas razões, sou hoje um grevista indignado. Sei que, como eu, muitos trabalhadores da Carris, filiados na CGTP, estão hoje em greve porque sabem que, apesar dos dirigentes sindicais que têm, a unidade na luta pela defesa do serviço público nos transportes de Lisboa é muito mais relevante para o nosso futuro comum que, eventualmente, diferenças de opinião que nos separam. A prova está nos níveis de adesão à greve, muito próximos da que se todos os sindicatos a tivessem convocado.

Infelizmente, o que se anuncia para o processo de luta na Carris e no Metro não parece ser animador. A Fectrans/Metro anuncia nova greve para o próximo dia 17 (no Metro) e a Fectrans/Carris anuncia uma outra greve para o dia 22 (para a Carris). Confuso? Vejamos.

Uma mesma estrutura sindical - a Fectrans – defende que os trabalhadores da Carris e do Metro, representados por si, apesar do objetivo de luta ser exatamente o mesmo, devem lutar mas em dias separados. Por que carga de água? Porque é que, se o objetivo é exatamente o mesmo, não promovem a unificação das lutas?

Atrevo-me a sugerir um caminho alternativo a todos os sindicatos da Carris e do Metro: que se faça um Plenário conjunto de todos os trabalhadores e sindicatos para discutir e decidir formas de luta conjuntas contra a privatização de ambas as empresas, contra o fanatismo ideológico do Governo e em defesa da manutenção na esfera pública da propriedade e da gestão das empresas de transporte em Lisboa

Veja-se o caso das greves feitas em 2014 pelos trabalhadores do Metro, de forma isolada. O que é que se passou nesses dias? O Metro fez greves, cumpridas a 100%, e o Governo e a Administração da Carris deram indicações para o reforço das carreiras, por causa do Metro não estar a funcionar. Ou seja, na prática, os trabalhadores da Carris foram, involuntariamente, instrumentos nas mãos do governo para furarem a greve dos trabalhadores do Metro. Não é evidentemente por este caminho que se constrói a unidade dos trabalhadores.

Quando os sindicatos da Fectrans aceitam promover greves na Carris e no Metro, exatamente pelos mesmos objetivos mas em dias diferentes, estão na prática a favorecer não a unidade mas sim a divisão entre trabalhadores. O que vai acontecer é que, no dia 17, os trabalhadores da Carris vão “furar” a greve do Metro e, no dia 22, os trabalhadores do Metro vão fazer o mesmo na greve da Carris!

Imagino que a minha indignação vai durar, pelo menos, até dia 22. Mesmo assim, atrevo-me a sugerir um caminho alternativo a todos os sindicatos da Carris e do Metro: que se faça um Plenário conjunto de todos os trabalhadores e sindicatos para discutir e decidir formas de luta conjuntas contra a privatização de ambas as empresas, contra o fanatismo ideológico do Governo e em defesa da manutenção na esfera pública da propriedade e da gestão das empresas de transporte em Lisboa.

Sobre o/a autor(a)

Economista de transportes
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