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Fundo Social Europeu: em casa sem pão…

O debate do Fundo Social Europeu denuncia um paradoxo fundamental do chamado Pilar dos direitos sociais.

O Fundo Social Europeu + foi aprovado agora em Junho, após duras negociações entre Parlamento, de um lado, e Conselho e Comissão, do outro. Essas negociações incidiram sobretudo sobre os montantes dedicados a diferentes prioridades da política social, uma vez que os montantes globais foram despachados no âmbito das negociações sobre o Quadro financeiro plurianual. FSE+ designa um Fundo com mais dinheiro, mas também com mais funções, devido à agregação de vários fundos e programas pré-existentes na área das políticas sociais. O saldo é negativo, mas foi convenientemente disfarçado por dois mecanismos: o mecanismo clássico da reembalagem (junta-se vários instrumentos ao FSE e compara-se com o valor do antigo FSE, em vez do conjunto dos vários instrumentos) e um mecanismo novo, o Fundo de Recuperação e Resiliência, que tapa os vários buracos como, aliás, tem acontecido com outros vários cortes, da coesão à agricultura.

Com este ponto de partida, a dinâmica foi simples: o Parlamento queria assegurar dotações mínimas para áreas prioritárias, o Conselho queria liberdade para executar a despesa à vontade e a Comissão só queria um acordo que não comprometesse as negociações do quadro financeiro. No limite, o debate é sobre se o FSE+ deve ser um cheque ou uma política. Ficou a meio. No campo das prioridades, as divergências atravessaram 3 grandes prioridades:

1. O FSE+ terá uma verba dedicada de 25% para inclusão social, em que se incluirão as políticas contra a pobreza, dois pontos abaixo da proposta do Parlamento. O Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FEAD), um Fundo para políticas de apoio de última linha terá 3%, que serão contabilizados fora dessa dotação, como o Parlamento defendia. Esta dotação é obviamente central para perceber se os compromissos assumidos pelas instituições europeias no combate à pobreza são reais (embora pouquíssimo ambiciosos) ou são apenas conversa. Convém recordar que no anterior quadro financeiro, ainda em vigor, o FSE previa pelo menos 20% apenas para o combate à pobreza. O fracasso estava à vista ainda antes da crise pandémica.

2. Será introduzida uma dotação mínima de combate ao desemprego jovem de 12,5%. A introdução desta rubrica é relevante e dá uma resposta a um problema generalizado na União Europeia, em que se verifica uma enorme diferença entre os níveis de desemprego global e desemprego jovem. Essa diferença, por ser uma consequência da precarização das relações de trabalho, não se resolve só, nem sobretudo, com política social, mas uma política social não a pode ignorar.

O Conselho, com o apoio da Comissão, bloqueou a proposta do Parlamento de consagrar 5% ao combate à pobreza infantil em todos os países. Essa proposta ficou consagrada apenas para países com níveis de pobreza infantil acima da média europeia, ou seja, países com pobreza infantil acima dos 23,4%! Este critério deixa de fora a maior parte dos países, incluindo quase certamente Portugal

3. Finalmente, o Conselho, com o apoio da Comissão, bloqueou a proposta do Parlamento de consagrar 5% ao combate à pobreza infantil em todos os países. Essa proposta ficou consagrada apenas para países com níveis de pobreza infantil acima da média europeia, ou seja, países com pobreza infantil acima dos 23,4%! Este critério deixa de fora a maior parte dos países, incluindo quase certamente Portugal. E informa todos os cidadãos que ouvem a Comissão Europeia a fazer discursos sobre Garantia para a infância e Europa social que, para o Conselho e a Comissão, 1 em cada 5 crianças ser pobre é aceitável.

O debate do Fundo Social Europeu denuncia um paradoxo fundamental do chamado Pilar dos direitos sociais. Há três formas de conceber um pilar de direitos sociais: 1. o aumento do financiamento europeu para políticas sociais; 2. a criação de direitos sociais vinculativos como parte do direito comunitário e; 3. a alteração profunda das regras de governação económica e o fim do semestre europeu para proteger as políticas sociais. Ora, se o financiamento para políticas sociais é reduzido; se a política social é uma competência nacional quando se trata de criar direitos, mas já não é quando a Comissão “recomenda” cortes nos serviços públicos e pensões ou desregulação do mercado de trabalho; se a Comissão se prepara para deixar tudo na mesma na Governação económica; o que é que resta do tal pilar? Se este for o panorama em que se pretende implementar esse pilar, o que vamos ter realmente serão discursos ocos, declarações de intenções e guerras intermináveis por migalhas. Precisamos de muito mais. E melhor.

Artigo publicado na revista Visão a 5 de julho de 2021

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado e economista.
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