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As fronteiras do país são serventia da casa

Um primeiro-ministro que aconselha os cidadãos do seu país a emigrar reconhece, de forma bastante explícita, que não faz ideia de como governar o país.

Quando, há cerca de dois meses, um secretário de Estado da Juventude aconselhou os jovens a fazerem-se à vida e a deixarem a “zona de conforto” dos falsos recibos verdes, dos empregos precários e mal pagos, procurando um lugar lá fora - ainda houve quem pensasse que tinha sido um momento mais descontraído de um governante pouco habituado à exposição pública. Enganámo-nos. Ficámos agora a saber, pela voz do próprio primeiro-ministro, o quão enganados estávamos.

O bilhete só de ida para todos quantos precisem de uma nova oportunidade é afinal a doutrina oficial do governo. Primeiro foram os jovens, agora os professores. Não sabemos uem estará a salvo. Não sabemos de quem é que se irá lembrar o governo no futuro, quem sabe se os médicos ou engenheiros, mas percebemos o que quer dizer: este país não é para jovens, este país não é para jovens qualificados e ambiciosos.

Dizem, PSD e CDS, que as palavras do primeiro-ministro foram descontextualizadas. Têm toda a razão. É que o próprio primeiro-ministro que agora diz que é preciso diminuir o número de professores nas escolas portuguesas é o mesmo primeiro-ministro que lidera o governo que decidiu aumentar o número de alunos nas turmas do ensino básico, e que pôs ponto final no ensino experimental de ciências nos 2.º e 3.º ciclo. E é daqui, destas medidas, que vai resultar uma desemprego docente massivo, que afasta da escola pública a renovação geracional do corpo docente, e que vai prejudicar a qualidade da escola pública. Mesmo para a mistificação dos números e a desresponsabilização política há limites.

A mensagem de Passos Coelho é simples: as fronteiras do país são serventia da casa. Simples, mas esclarecedora sobre a confiança que o próprio Governo tem sobre a eficácia das medidas recessivas que tem vindo a coleccionar. Não vai haver quaisquer oportunidades para os jovens qualificados deste país com a política social e económica que o Governo tem vindo a colocar em prática.

O problema não é a emigração, que é uma opção individual, e que tem um longo historial no nosso país. Histórias de gerações de portugueses ao longo do século XX, gente sofrida que, com pouco ou nada mais do que a roupa que tinha no corpo, se fez à vida e foi à procura das oportunidades que aqui não encontrava. É uma história de fuga da pobreza e da estreiteza do Portugal antes de Abril, mas também de coragem e determinação. Temos orgulho disso. Hoje, Portugal é essa experiência, essa memória e coragem. Como orgulho temos de todos quantos nas últimas décadas aproveitaram a qualificação proporcionada pela escola pública criada pela democracia, e que pelo mérito encontraram lugar nas principais faculdades e centros de investigação um pouco por todo o mundo.

Mas as palavras do primeiro-ministro são outra história. O que esperar de um Governo que, confrontado com a crise social e as dificuldades económicas, se dirige precisamente aos jovens e aos quadros mais qualificados e lhes diz para desistirem do país?

Um primeiro-ministro que aconselha os cidadãos do seu país a emigrar reconhece, de forma bastante explícita, que não faz ideia de como governar o país.

O apelo à emigração, encarado como uma forma de resolver os problemas económicos do país, é especialmente gravoso quando efectuado pelo primeiro-ministro. De um governante espera-se responsabilidade e que aponte caminhos e soluções para os problemas encontrados, não que se comporte como os irresponsáveis que puxam o sinal de alarme no comboio sem se preocupar com o pânico social gerado pela sua atitude.

O que se espera de um primeiro-ministro, perante os números que indicam que, ao contrário do que vinha acontecendo até aqui, o desemprego está a aumentar mais significativamente entre os jovens licenciados, é que lute, apresente alternativas apara que o país possa contar com a geração mais qualificada da história portuguesa. Em vez de perceber que essa geração – jovens licenciados, jovens professores contratados, bolseiros investigadores – é imprescindível para fazer um futuro maior que a crise - não: indica a porta de saída e deseja-lhes boa sorte.

Percebemos agora melhor por que razão o PSD fez da crítica demagógica sobre as Novas Oportunidades um dos eixos da sua campanha. Não há “mega encenação” que esconda o “facilitismo” de um Governo que não tem uma palavra a dizer sobre a requalificação, ou sobre a reconversão profissional dos cidadãos. Para todos os desempregados, ou para quem quer que seja que procure uma nova oportunidade, PSD e CDS apenas têm a dizer que peguem na trouxa e vão à procura de lugar para lá das nossas fronteiras.

Na última mensagem que colocou na sua conta do Facebook, Passos Coelho afirmava, a propósito das mensagens que recebe nessa rede social, que “Felizmente tenho descoberto também nesta plataforma que muitos são os Portugueses que acreditam. Homens e mulheres inspiradores que não baixam os braços”.

Uma mensagem de suposto optimismo que contrasta com os constantes apelos para o desânimo colectivo que vêm sendo agitados, à vez, pelos membros do Governo. Há homens e mulheres que não baixam os braços, mas entre estes não está certamente Pedro Passos Coelho.


Declaração política na Assembleia da República a 21 de dezembro de 2011

Sobre o/a autor(a)

Investigadora do CES
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