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A fábrica da azeitona entupiu?

Continuam a ser plantados milhões de pés de olival. Num cenário de alterações climáticas a rega destas monoculturas é sustentável? Vai sobrar água com qualidade para abastecimento humano?

As notícias caíram como uma bomba e fizeram soar as campainhas: as três fábricas de transformação de bagaço de azeitona no Alentejo – Alvito, Odivelas e Fortes – têm a sua capacidade esgotada, estando a receber em média cinco mil toneladas de bagaço diariamente e só conseguindo processar mil toneladas. Segundo um dirigente da CONFAGRI, responsável pela fábrica de Alvito, o setor da olivicultura pode paralisar e há risco de caos ambiental.

Perante o silêncio do Ministério da Agricultura e das associações empresariais do setor, cabe perguntar: qual é a surpresa? Quem difundiu, acreditou e lucrou com os contos de fadas sobre o novo “petróleo verde” do Alentejo? Eis o fruto de dezenas de milhões de arbustos de oliveira plantados no perímetro de rega de Alqueva, sem qualquer planeamento; apesar de muita azeitona seguir a granel para Espanha os novos lagares crescem como cogumelos, estimando-se que na atual campanha sejam produzidas 600 mil toneladas de bagaço de azeitona.

Com o conhecimento direto dos problemas causados às populações, a Associação Ambiental Amigos das Fortes apontou “as fragilidades do modelo de desenvolvimento e exploração do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva que tem assentado na monocultura do olival sem que os organismos responsáveis olhem para o território, para as comunidades e para o necessário reforço dos serviços e equipamentos públicos, para além da necessária estratégia a desenvolver de fixação de agroindústrias amigas do ambiente”.

 

Que saídas?

Se não há afinal motivo para surpresas, há e de sobra para preocupações.

Como enfrentar um problema imediato e que se vai agravar nos próximos anos? Continuam a ser plantados milhões de pés de olival – no superintensivo chegam a 3 mil por hectare, é fazer as contas…

Num cenário de alterações climáticas e de seca severa a rega destas monoculturas é sustentável? E vai sobrar água em quantidade e com qualidade para abastecimento humano?

Face à superprodução de azeitona e à tendência de queda do preço do azeite nos mercados internacionais, o que vai sobrar deste modelo?

No imediato, o alarme causado pelo entupimento da cadeia de produção olivícola pode até ter saídas perigosas – por exemplo, a multiplicação no território de fábricas poluentes como as de Fortes, Alvito e Odivelas, em vez de se investir em tecnologias limpas já disponíveis. Outro perigo é a proliferação de tanques de armazenamento de bagaço de azeitona fermentado, que exala cheiros nauseabundos.

A crise que eclodiu à porta das fábricas deve servir de alerta para a necessidade de ordenar e planear todo um setor que não pode estar à mercê do improviso e da ganância. Os projetos de lei já apresentados pelo Bloco de Esquerda e pelos “Verdes” respondem a esta necessidade de ordenamento do território, por maioria de razão em espaço rural. Esperemos que partidos com responsabilidades na região apresentem os seus contributos e que o parlamento possa aprovar legislação que já tarda.

A continuação do modelo capitalista selvagem (não há outro) na busca do lucro fácil e imediato, mesmo à custa de trabalho escravo, só pode conduzir a um desastre económico, social e ambiental. É urgente intervir antes que sobre, mais uma vez, a nacionalização do prejuízo.

Artigo publicado no Diário do Alentejo.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda
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