“A estratégia de partidos como o Vox, em Espanha, ou os Irmãos de Itália de Meloni é mudar as democracias liberais por dentro” escreveu a jornalista Teresa de Sousa no jornal Público no passado domingo dia 12 de julho. É um artigo interessante.
O artigo tem como título: A “normalização” da extrema-direita. Teresa de Sousa recupera o conceito e a frase do politólogo holandês Cas Mudde dita ao El País. O artigo merece atenta leitura e quase termina com uma frase lapidar “o colapso dos partidos centristas é a pior coisa que pode acontecer para encontrar um caminho que responda a estas novas circunstâncias…”. Aqui está, a meu ver, um nó górdio.
Teresa de Sousa sinaliza a imigração como um tema central, com acerto. Este é um tema, com acentuação de novas circunstâncias, que os centristas não conseguem responder. Exemplo: a Europa pagou à Turquia para “armazenar” lá os imigrantes que queriam entrar no velho continente.
Vejamos o caso português: todos os dias os empresários da restauração, da hotelaria, da construção civil se queixam com falta de trabalhadores. É bom que os empresários desejem mais trabalhadores, mas a atração faz-se com melhores salários e estabilidade no emprego – algo que não querem conceder. Apesar dos salários baixos, da sobrecarga horária e da precariedade, atraímos imigrantes brasileiros, africanos e asiáticos.
A sobreexploração dos trabalhadores agrícolas imigrantes faz-se sem qualquer decoro a não ser quando uma reportagem televisiva denuncia um caso ainda mais grave. Aí, o governo promete medidas e anuncia inquéritos, as Câmaras Municipais descartam-se como podem, vários empresários alegam que os trabalhadores são subcontratados a uma empresa de aluguer de mão-de-obra e “sacodem o pó do seu casaco” … Daí a dias o caso caiu no esquecimento e o povo fala é de futebol… Volta tudo ao mesmo.
Os governos das principais potências têm uma “prisão”: as elites que sustentam os centros políticos, são as poderosas multinacionais que apoiam elites corruptas nos continentes africano, indiano e sul-americano, que lá delapidam matérias primas e facilitam a manutenção da miséria, da fome e do conflito nesses países. Estes governos são os mesmos que legislaram para permitir paraísos fiscais que são usados para fugir aos impostos, traficar droga, armas e pessoas…
Os governos do centro político disseram sempre que “ninguém é ilegal” e negaram-se a dar “papéis para todos”. Quase sem vistos nos países de origem os imigrantes ficaram entregues às redes de tráfico humano. As consequências são dramáticas: centenas de milhares de pessoas tentam entrar na América do Norte e outras tantas na Europa. Pelo caminho e pelo Mediterrânio está a ficar uma brutal mortandade. Mortandade a cuja insensibilidade nos habituámos. Insensibilidade que já faz lembrar quando Hitler começou a prender e a matar judeus, comunistas e outros opositores…
Os governos do centro concentraram as suas escolhas no liberalismo económico, na salvação de bancos e da financeirização especulativa, nas privatizações de empresas estratégicas [o cúmulo são a EDP e a REN que não podiam ser controladas pelo Estado português, mas têm como principal acionista o Estado chinês], na degradação dos serviços públicos de saúde e educação, no empobrecimento das populações… Os seus partidos já começaram a colapsar há um tempo – o seu colapso está a deixar um espaço vazio que está a ser ocupado pelo racismo, o ódio e a intolerância. É aqui que está o ovo e a galinha: são as democracias liberais que criam as condições à extrema-direita, vejam-se os exemplos francês e italiano.
A “boa galinha” não está na democracia liberal, está na reedificação de uma democracia social. A esperança está “nos seus ovos” de uma democracia que respeita todos os direitos humanos, que constrói solidariedade e estabilidade no trabalho, que faz de uma boa educação o bom cimento do futuro, que faz da saúde a tranquilidade e o bem-estar das pessoas, que faz do ambiente e das cidades e vilas bons lugares de vida. É isso que vale a pena!
Nota final. Agradeçam aos imigrantes, finalmente o número de nascimentos começou a crescer em Portugal!
