O Ministério da Cultura, com um excesso de zelo inesperado, decidiu acompanhar os cortes orçamentais de todo o Governo impondo um corte extra de 10% em todos os contratos assinados com as estruturas independentes de criação e produção artística. Ou seja, no sector cultural, além do aumento do IVA e IRS, além dos cortes nas mais diversas prestações sociais, do subsídio parental ao subsídio de funeral, as estruturas e profissionais têm agora também de lidar com o incumprimento de contratos por parte do Estado.
Estes cortes de 10% representam um forte golpe para todo o sector por duas razões fundamentais: porque o sector sofre já de um crónico e crescente subfinanciamento e porque aparece já o ano vai a meio. As estruturas de criação e produção, para poderem trabalhar, pedem empréstimos bancários no montante do valor dos contratos com o Ministério da Cultura, que tipicamente paga as actividades após a sua concretização. Ou seja, as estruturas, sem qualquer margem de manobra depois de anos de sub-financiamento, vêem-se agora sem meios para pagar os empréstimos na totalidade. Além do inevitável cancelamento de projectos, estes cortes ditam também falências e têm por isso consequências irreversíveis. E uma vez que neste sector grassa a precariedade e os falsos recibos verdes, as pessoas que ficarem sem trabalho não vão ter sequer direito a subsídio de desemprego. À tragédia na criação e produção artística e cultural, junta-se a tragédia social; os últimos números conhecidos dizem-nos que o sector das artes do espectáculo e do cinema empregam directamente mais de 12 mil pessoas. É este o tamanho da tragédia.
E o que se poupa com estes cortes? Nem mais nem menos que 2 Km de autoestrada. Parece anedota, mas não é. O excesso de zelo do Ministério da Cultura, na aprendizagem dos cortes prescritos pelo bloco central, ditou que se pusesse em causa todo um sector por 3 milhões de euros. O sector cultural tem esta virtualidade tantas vezes esquecida: gera muito emprego e riqueza a partir de muito pouco financiamento estatal. E aqui chegamos à segunda exigência do sector: basta de insultos.
A actual Ministra da Cultura ressuscitou um discurso antigo e de menorização da criação artística assente na ideia de “subsidiodependência”. A Senhora Ministra da Cultura chegou mesmo a afirmar que nunca recebeu um subsídio porque sempre foi contratada. Por estranho que pareça é preciso explicar-lhe que sempre foi contratada por instituições que recebem financiamento, subsídios, do Estado. Como todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras do sector. E é pelos vistos também necessário explicar ao Ministério e a todo o Governo que o Estado tem de responder ao imperativo constitucional de garantir acesso à produção e fruição cultural, um imperativo essencial a uma das dimensões fundamentais da democracia: a democracia cultural. E, como não o faz directamente (O Estado não tem equipas de criadores no país), financia estruturas independentes que prestam esse serviço público. Como faz noutros sectores de actividade. Mas só na cultura é que decidiu não cumprir os contratos assinados. O Governo que prometeu mais investimento na cultura, tudo o que oferece afinal é desprezo e incompetência.