A crise financeira de 2008 não obrigou apenas a uma alteração do comportamento da banca privada com os Estados, a economia real e os povos. Vive-se hoje uma abrupta alteração das relações sociais. O fosso entre pobres e ricos acentuou-se, os direitos fundamentais são sistematicamente atacados em Estados-Nação que, aparentemente, apresentavam estabilidade democrática. Em França, os jovens que lutam contra o novo código do trabalho de Hollande sofrem repressão policial diariamente. As tradicionais soluções políticas protagonizadas pelo chamado “centrão” estão a esvaziar-se. Isso abre portas a soluções à esquerda mas a ascensão do populismo neofascista é uma preocupação constante – a política de austeridade representa a maior porta aberta que a Europa alguma vez criou para o retorno a uma sociedade sem tolerância, que ataca direitos sociais e fomenta o racismo e a exclusão social.
O Tratado Orçamental é a maior ameaça à ideia de um Estado Social pois obriga os Governos nacionais a cumprir a meta do défice de 0,5% e fecha a porta a investimento público. Não aceitamos que a nossa geração tenha menos qualidade de vida, que os direitos diminuam e o direito a sermos felizes esteja cada vez mais inalcançável nem permitimos que a Escola nos imponha essa ideia.
O combate pela defesa de uma Educação Pública passa hoje por uma frente ampla que consiga criar laços de contacto entre os vários atores e atrizes do setor, desde estudantes a professores e funcionários, investigadores e pedagogos. Isso não significa que nós, estudantes, não tenhamos um papel basilar na luta por uma Escola Pública e não podemos estar á espera que alguém lute por nós. E para um combate que almeje a conquista de vitórias necessita, obrigatoriamente, em primeiro lugar, de uma capacidade de leitura e proposta políticas afinadas e consistentes e, em segundo lugar, de organização capaz de juntar massas em torno das nossas ideias.
E, quase findo este ano letivo, é hora de fazer um balanço alargado das políticas no Ensino Superior.
Ainda que consigamos ver uma melhoria nas verbas e políticas públicas para a Ciência e Investigação, o mesmo não se pode dizer sobre o estado a que o Ensino Superior chegou. À medida que, nos últimos anos, se impôs uma política agressiva de cortes nas “despesas”, implementou-se um novo modelo de gestão nas instituições universitária. O modelo fundacional veio roubar democracia e impor uma lógica mercantilista, onde a Sonae tem mais peso nos conselhos gerais para decidir políticas de propinas do que os próprios estudantes. Este modelo, que desresponsabiliza o Estado das suas obrigações, acaba por significar, a médio prazo, uma privatização do ensino.
Para esse combate, é necessário contar com estudantes, professores, investigadores. Mas não nos enganemos: esta matéria não colhe o apoio do Ministro Manuel Heitor - um dos entusiastas deste modelo.
Passou sensivelmente uma década desde a primeira experiência do Modelo Fundacional que o RJIES abriu portas. E o que nos trouxeram então as Fundações?
Ser professor por 650€/mês. Quer ou não quer?
As universidades do Porto, Coimbra, Évora e ISCTE (Lisboa) aprovaram despachos que alteram o regime de horas semanais dos professores convidados a tempo parcial. As instituições asseguram estar apenas a uniformizar as regras para estes contratos e desmentem a aplicação de cortes. Mas há docentes com contratos a tempo integral há anos que, face às alterações, garantem que vão sofrer um corte salarial superior a 40%. Na Provedoria de Justiça foram entregues duas queixas que reivindicam a revogação do despacho de Coimbra, fundamentadas por um parecer jurídico que o classifica de ilegal.
O Modelo Fundacional que entrega autonomia às universidades desresponsabiliza o Estado das suas obrigações. A precariedade entre os docentes aumentou, a Democracia diminuiu e a lógica da «escola-empresa» instalou-se na Academia. Ao colocar nas instituições a responsabilidade de procurar fontes de financiamento para assegurar parte do seu funcionamento é uma desvirtuação da própria ideia de Estado Social.
Precariedade? Para quê, para quê, para quê?
Como o Modelo Fundacional também entrega autonomia na gestão das verbas recebidas pelo Estado, o resultado está à vista: gastar menos em salários e contratos, aumentar a precariedade e o abuso.
Os estágios não remunerados que ocupam grande parte das “ofertas de emprego e incentivo” significam, na verdade, que as empresas usam mão de obra qualificada dos estudantes e recém-licenciados, mestrados ou doutorados sem qualquer tipo de custo, na maioria dos casos.
Os investigadores estão há décadas à espera de contratos de trabalho. As Bolsas de investigação são um mecanismo que desvia estes trabalhadores científicos do Código do Trabalho, que consagra mais direitos – nomeadamente subsídio de férias e de Natal, contratos de trabalho, etc. O Ministro Manuel Heitor informou, logo no início da legislatura e reafirmou na discussão do OE para 2016 que estava a trabalhar num programa de incentivos para a contratação de bolseiros. É uma boa notícia. Tem de sair das palavras e passar aos atos. À medida que o tempo passa, os casos de não renovação de bolsas de investigação por parte das direções dos mais variados Centros de Investigação I&D aumenta. Até a própria FCT (Fundação para a Ciência e tecnologia) mantém parte dos seus funcionários a bolsas em vez de lhes dar contrato de trabalho. Deve uma Universidade Pública ser conivente, ou pior, ser promotora de um regime precário que atrasa a emancipação dos jovens do seu país? A geração mais qualificada que Portugal alguma vez conheceu merece uma resposta mais cabal por parte do Estado.
Mais Democracia e mais Alternativa
Quando a Democracia escasseia e os mecanismos de participação dos estudantes diminuem, a própria ideia de Política como Vivência Democrática perde o seu significado prático entre os estudantes do Ensino Superior.
À medida que a praxe construiu a sua hegemonia no meio académico, a discussão sobre a democracia e os modelos de integração foi-se esvaziando. Esta lógica deve ser combatida. E combater não significa proibir. O que não vale é ficar a meio do caminho.
Numa visão integradora das realidades plurais do Ensino Superior e, ao mesmo tempo, plural na integração que oferece a quem chega a esta nova etapa da sua vida, não pode haver espaço para segregação, exclusão e conservadorismo. A entrada no Ensino Superior não pode significar a impressão de uma visão mais fechada da Democracia, da vida em comunidade, da construção de um muro entre a realidade social e o espaço onde temos aulas. A luta por um Movimento Estudantil reivindicativo não pode ser conivente com esta visão. A disseminação de um espírito de luta em defesa da Democracia passa, naturalmente, pela fomentação de uma vivência democrática, solidária e horizontal entre os próprios estudantes.
Lutar por essa Democracia no que toca ao modelo de integração dos novos estudantes não é separável por um combate em torno de causas muito concretas relacionadas com os Modelos de Gestão das Instituições. Hoje, a Sonae tem mais peso na decisão da política de propinas em vários Conselhos Gerais do que os próprios estudantes. O modelo de gestão é um mundo ao contrário, neste momento. Expulsaram-se funcionários não docentes dos Senados, reduziu-se o número de estudantes e aumentou-se a participação externa dos “atores da economia” regional e nacional. E o que fazem, em geral, estes “atores”? Promovem estágios não remunerados e elitizam o ensino superior.
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Neste novo panorama da luta de classes acentuada, os caminhos que o Movimento Estudantil em Portugal tem tomado merece a nossa reflexão. A clara ineficácia dos principais agentes do movimento estudantil em enfrentar os sucessivos governos que, ao longo destes anos, desmantelaram as políticas públicas de Ensino Superior, não é problema menor. Olhemos, por exemplo, para a FAP que, nos últimos quinze anos, treinou assessores e Secretários de Estado apoiantes das mesmas políticas às quais diziam ser críticos quando ocupavam ainda lugares de topo no movimento associativo nacional. Esta degradação de “fazer política” na Universidade resulta numa confiança rasgada entre os próprios estudantes e os seus representantes.
É preciso expulsar o neoliberalismo do Ensino Superior. Findo este ano letivo, impõe-se a pergunta à comunidade académica: começamos agora a trilhar um novo rumo para o ensino superior ou vamos estar, como escreveu Samuel Beckett, Eternamente à espera de Godot?
