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O vai e vem orçamental entre Bruxelas e Lisboa confirmou sinais preocupantes.

Nos últimos dias, a direita torceu para que a Comissão Europeia boicotasse o orçamento do novo governo - que não era credível, que não ia ser aceite, que era uma ficção, que não passava de uma aventura. Torceu para que o país sofresse uma humilhação, fez lóbi e queixinhas na Europa. Mas à medida que os dias foram passando, meteu a viola no saco. Parece que, para desgosto da “direita patriótica”, o país não foi esmagado nas negociações.

Ainda assim, o vai e vem orçamental entre Bruxelas e Lisboa confirmou sinais preocupantes. Primeiro, que a União Europeia insiste numa deriva autoritária, baseada numa agenda ideológica a favor da austeridade, cujo único efeito é agravar as desigualdades e a distância entre o norte e o sul, o centro e a periferia. Segundo, que os mercados pretendem continuar a ter ganhos especulativos com as dívidas soberanas e que a União Europeia, ao invés de lhes fazer frente, recomenda que, em nome deles, se continue a sacrificar as condições de vida da sua gente. Terceiro, que a única regra é a arbitrariedade, como se verificou a propósito do tal “défice estrutural”, que afinal não tem nenhum critério objetivo, sendo antes uma expressão manipulável ao sabor das circunstâncias, para encobrir decisões exclusivamente políticas da Comissão. Não fossem os acordos realizados no Parlamento, e mais teria sido aniquilado.

Como lembrava recentemente Ricardo Paes Mamede, o memorando da troika para o nosso país falhou os seus três objetivos: equilibrar as contas públicas, melhorar a competitividade da economia e estabilizar o sistema financeiro. No que diz respeito às contas públicas, o efeito foi aumentar ainda mais a dívida. A competitividade da economia assentou no empobrecimento e na repressão do consumo. E o sucesso da “estabilização do sistema financeiro” é uma anedota que se conta em duas siglas: BES e Banif. Porquê a insistência, então?

Uma das hipóteses mais plausíveis é esta: a Comissão Europeia não quis apenas mostrar os dentes a Portugal. Quer, sobretudo, prevenir que no Estado Espanhol, onde o Podemos foi o grande fenómeno das eleições, ninguém se atreve a imitar a solução portuguesa. E no entanto, não tenhamos ilusões, estamos sempre a falar de compromissos mínimos.

O Orçamento de Estado traz a recuperação de rendimentos prevista nos acordos (subida do salário mínimo, atualização – muito tímida – das pensões, recuperação de apoios sociais, eliminação da sobretaxa do IRS e dos cortes salariais), traz regras de justiça social (como a proteção contra penhoras) e até novas medidas positivas, que são vitórias importantes, como o fim da escandalosa isenção de IMI para os fundos imobiliários ou uma contribuição extraordinária da banca, o setor mais poupado ao longo dos últimos anos. É muito melhor do que o que havia no passado? Claro que é, e nem tem comparação. Mas ainda assim, sejamos rigorosos, não haverá mais dinheiro para os hospitais ou para as universidades, a maioria dos desempregados continua sem subsídio e a pobreza continua a fazer parte do padrão de desigualdades do país. O problema da dívida e dos seus juros fica por resolver e impede o investimento. E isto deve fazer-nos pensar. Afinal, que Europa é esta, que deixa morrer quem a procura e que asfixia quem nela vive, tratando os direitos humanos e a democracia como um obstáculo ao “regular funcionamento das instituições”?

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 5 de fevereiro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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