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Enfermagem a prestações

Num Serviço Nacional de Saúde cambaleante, externalizador das suas necessidades básicas, não restam profissões nem profissionais.

A enfermagem sobrevive no caos de um país que não valoriza a carreira e as competências individuais, quais ferramentas de trabalho padronizadas, vítima de uma fatal prescrição neoliberal única do funcionalismo. Os enfermeiros e enfermeiros tentam por isso evidenciar a sua importância, num sistema em que prevalecem números, onde não deixar um doente chorar sozinho não entra para as contas de ninguém. As avaliações quantitativas sobrepõem-se às qualitativas, porque há que fazer contas! As horas de cuidados prestados em palavras de conforto ao doente ou à família não constam das equações e critérios das administrações e políticas ministeriais.

Encurtam-se reuniões porque o tempo esgota-se e os rácios são elevados, ficam em falta discussões sobre estratégias e decisões importantes que, muitas vezes, não cabem nas linhas dos números da saúde. Vai-se assim o enfermeiro progressivamente afastando de um modelo relacional para o carniceiro modelo tecnicista e mecânico. A Enfermagem é a primeira linha de autodeterminação e autonomia dos utentes do SNS, tenham eles tempo para os acompanhar e ouvir.

Corre-se entre escalas, grelhas e listas de segurança, por entre luvas, ventiladores e sistemas informáticos, consolidando o fechamento social da profissão no trabalho que desempenha e a perda da sua própria qualidade de saúde.

Uma profissão que, a par de outras na área da saúde, se vai subordinando à lógica de um mercado de saúde cada vez mais inclinado para privatização dos seus serviços, de novas formas de contratação, com precarização dos vínculos laborais para o controlo de custos, à orientação para objetivos que desembocam em avaliação de competências desajustadas.

A Enfermagem é mais uma classe profissional, que se sente cansada, que luta por dignidade no trabalho e por uma remuneração adequada às suas competências profissionais e às suas horas de trabalho, de dia, de noite, ao fim de semana e ao feriado.

Uma classe profissional desconsiderada por não evoluir de patamar remuneratório por mais que se especialize na prestação de cuidados que executa. Problema já decorrente do congelamento das progressões, da lei das carreiras, vínculos e remunerações aprovadas com votos favoráveis do PS, PSD e CDS na Assembleia da República em 2008. Agora os enfermeiros aguardam o valor da prestação da especialização.

Uma classe apolitizada e que se encosta à primeira miragem de salvação, que clama pelo reconhecimento dos seus direitos laborais e atribuição de condições para o desempenho das suas funções.

Temos um Ministro que admite má gestão na saúde e que ainda assim aplica as 35h semanais para enfermeiros com CIT [contrato individual de trabalho] em plenos períodos de férias, num SNS frequentemente a funcionar em serviços mínimos e onde até ao momento não se viram reforçadas as equipas de profissionais de saúde. A Enfermagem aguarda o devido ajuste de horário de trabalho de 35 horas para todas e todos os profissionais.

Por fim, está em cima da mesa a opção entre um SNS com enfermeiros e enfermeiras, que por ter o seu trabalho devidamente reconhecido e pago, têm a capacidade para dar confiança aos seus utentes, ou um que funciona em constante SOS e estado de sítio, empurrando para o privado quem precisa de assistência para o seu bem mais precioso, a Saúde.

Os enfermeiros não são os únicos e únicas, é um SNS inteiro.

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Enfermeira
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