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Empresas alimentares a brincar com a saúde pública e dos trabalhadores?

A burguesia “fez da dignidade pessoal um valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável lei do comércio”. Isto escreveram Marx e Engels, no Manifesto Comunista em fevereiro de 1848. Foi aqui que a minha reflexão veio parar!

O Sindicato do Comércio e Serviços (CESP) afirma em comunicado público que “a empresa está a efetuar testes apenas aos trabalhadores deste armazém, o que deixa de fora a maioria dos mais de 3 mil trabalhadores do entreposto…” e reforça a dizer que “o é a primeira vez que a Sonae falta com os compromissos relativos à segurança e saúde no trabalho…”

O tema merece atenção, tanto mais que dos tais 800 trabalhadores só tinham ainda sido testados 350, mas que só desses 350 a “Sonae MC já contabiliza 121 casos de Covid-19. Estes números não param de crescer desde há vários dias”.

Há vários factos que merecem reflexão:

  1. As empresas são referidas por não terem agido preventivamente ou até nem terem reagido à propagação da doença.
  2. Estas informações vêm de sindicatos diferentes, de jornais locais e até nacionais.
  3. Os focos de epidemia agravam-se em comunidade de trabalhadores precários e ou imigrantes. A precariedade também induz medo das pessoas em recusarem-se a fazer trabalhos inseguros ou desprotegidos. O facto de as pessoas viverem “amontoadas em casas” com más condições de defesa sanitária propicia a propagação do vírus.
  4. As fábricas de carnes parecem estar na linha da frente do crescimento da epidemia em Lisboa e Vale do Tejo. Vejamos: a Avipronto, na Azambuja, tem pelo menos 104 trabalhadores infetados; no Montijo, três fábricas de carne têm 40 trabalhadores com Covid-19. Tais factos levaram o Sindicato do setor de atividade, o SINTAB, a criticar “a falta de compromisso de empresas no cumprimento de regras de segurança em vários setores da indústria da alimentação, nomeadamente as conservas, massas e carnes processadas e/ou embaladas”.
  5. Muitos trabalhadores são subcontratados a empresas de aluguer de mão de obra o que reforça a sua exploração e instabilidade laboral; mais, provoca uma grande rotação de trabalhadores que obedecendo às ordens do seu alugador de trabalho hoje estão aqui e amanhã estão ali.
  6. A instabilidade laboral e a subcontratação, usadas profusamente pelas empresas, não só baixam salários e direitos dos trabalhadores, provocam e agravam problemas de segurança no trabalho e saúde pública como se está a demonstrar.
  7. Mais uma vez a Autoridade das Condições de Trabalho evidencia a paralisia e ineficácia que lhe foi provocada pelos sucessivos governos. Uma Autoridade pela vigilância e cumprimentos das leis laborais não é coisa que agrade à maioria das entidades patronais; os governos – incluindo este – têm obedecido aos desígnios patronais conservadores.
  8. Por fim, é útil repensar a nossa alimentação animal. A industrialização e comércio alimentar baseada na carne tem um rasto de química descontrolada, lucro a todo o custo, mau trato animal e desrespeito pela natureza.

A burguesia “fez da dignidade pessoal um valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável lei do comércio”. Isto escreveram Marx e Engels, no Manifesto Comunista em fevereiro de 1848. Foi aqui que a minha reflexão veio parar!

Artigo publicado em “Mais Ribatejo”, em 26 de maio de 2020

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Energia e Águas de Portugal, SIEAP.
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