Está aqui

A emergência climática é aqui

A emergência climática é aqui. Quem viveu de perto os incêndios dos últimos anos sabe-o melhor que ninguém e quem viveu os efeitos devastadores da tempestade Leslie na região Centro sabe-o também.

A Amazónia arde há semanas seguidas. O Ártico está em degelo acelerado e na Islândia fez-se o primeiro funeral a um glaciar. Fenómenos como o ciclone Idai já destroem cidades inteiras, como aconteceu de forma trágica na Beira, em Moçambique. O passado mês de Julho foi globalmente o mês mais quente de sempre. O que se está a passar?

As Nações Unidas alertaram pela primeira vez para o problema das alterações climáticas na década de 1970 e, contudo, pouco tem sido feito para amenizar o problema. Os fenómenos extremos a que temos assistido na televisão ou bem de perto relembram-nos que temos pouco mais de dez anos para impedir que a temperatura global ultrapasse o aumento de 2º C e se desencadeie um caos climático sem retorno. Dada a urgência imperiosa de resolver o problema, importa realçar quatro preocupações fundamentais sobre o tipo de combate a ser feito.

Em primeiro lugar, é urgente assumir-se de uma vez por todas que a emergência climática é um problema político. Não chegámos a um estado de emergência climática em 2019 por acaso. A história da crise climática corresponde em muito à história do capitalismo. Num sistema em que recursos naturais são explorados como fontes inesgotáveis de rendimento, em que bens comuns são percepcionados como propriedade privada ao serviço de alguns, e no qual o espírito individualista reina sobre o coletivo, está claro que nem a natureza sobreviveria.

Para resolver problemas capitalistas são necessárias soluções anticapitalistas. Quem tem interesse em proteger as indústrias fósseis, o agronegócio ou o extrativismo já saiu publicamente em negação das alterações climáticas e recusa qualquer política capaz de as mitigar. O centro político revelou-se também incapaz de liderar essa batalha ao declarar o estado de emergência climática na mesma semana em que aprovava a expansão de um oleoduto, como fez Justin Trudeau, ou quando transmitia a ideia de que Portugal já é exemplar o suficiente nesta matéria e que portanto não precisava de declarar estado de emergência, como nos tentou convencer o Partido Socialista.

Segundo, importa sublinhar que a luta contra as alterações climáticas não pode ser vista como um ato dissociado de outros problemas prementes. A emergência climática está profundamente interrelacionada com desigualdades económicas, de género ou raciais e, como tal, a justiça climática só será atingida se se reconhecer essa interseccionalidade, quer no ativismo, quer na elaboração de políticas públicas. Queremos uma justiça climática que nos defenda dos interesses predatórios do 1% e da irresponsabilidade dos líderes atuais antes de culpar os pequenos consumidores pelos maus hábitos que o próprio sistema lhes impôs.

Terceiro, se até agora as reivindicações no sentido de resgatar o direito a um futuro num planeta saudável têm vindo das camadas jovens, torna-se agora urgente conquistar todas as gerações para esse esforço. A Greve Climática Estudantil iniciada pela ativista sueca Greta Thunberg conseguiu, em Portugal, a adesão de mais de 20 mil estudantes, que saíram às ruas para dar sinal que há alternativas aos modos atuais de organização e que, por entre outras palavras de ordem, ‘os jovens de hoje também querem ser avós’. Neste movimento, cujo objectivo fundamental é resgatar o direito ao futuro, incluem-se propostas como uma transformação profunda da mobilidade em Portugal, com vista a atingir a neutralidade carbónica antes de 2030, o desenvolvimento de uma maior eficiência energética assente em energias renováveis, como a fotovoltaica, e o fecho das centrais a carvão ainda operacionais em Portugal. Na Greve Climática que se realizará a 27 de Setembro, o propósito é também o de mobilizar trabalhadores, sindicatos e autarquias, dando força à ideia que este é um problema coletivo, que há esperança nas alternativas e que as ruas querem tomar parte na transformação necessária.

Por fim, é de frisar a importância de termos lideranças que assumam que a emergência climática não é “lá longe”. A emergência climática é aqui. Quem viveu de perto os incêndios dos últimos anos sabe-o melhor que ninguém e quem viveu os efeitos devastadores da tempestade Leslie na região Centro sabe-o também. Os cientistas dizem-nos que Portugal será um dos países do mundo mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas. Fenómenos como a desertificação, a seca, a erosão costeira, a ocorrência de ciclones, incêndios ou outros carecem de soluções políticas e lideranças responsáveis, que estejam despertos para as causas profundas da crise climática e que apresentem alternativas justas e ambientalmente sustentáveis. Cabe-nos a todos nós exigir esse outro mundo possível. É o maior desafio alguma vez colocado à Humanidade que está em causa.

Sobre o/a autor(a)

Licenciada em Relações Internacionais pela FEUC. Mestre em Segurança, Intelligence e Estudos Estratégicos pela Universidade de Glasgow, com especialização em paz e conflitos
(...)