Na última semana tivemos algumas figuras de estado a congratular-se pelo fim da propina. Se pertencermos a grande parte da juventude socialista isto não só é uma informação factual como celebratória. Se, por outro lado, fizermos parte da juventude que sofre diretamente com este tipo de questões, sabemos o quão longe está esta afirmação do que existe no Portugal real.
Com efeito, a propina não acabou e o problema não está resolvido. O que o PS arranjou para preencher a sua quota de preocupação estudantil deste ano foi um mecanismo que devolve a longo prazo o valor pago da propina pelos estudantes, assim que estes entrem no mercado de trabalho. É, sem dúvida, uma armadilha.
Em primeiro lugar é uma armadilha porque este sistema não põe fim à barreira económica que é a propina para milhares de estudantes. Não ajuda nenhum deles a ingressar mais facilmente no ensino superior, nem tampouco alivia a conta ao final do mês. Mas é também uma armadilha para o futuro trabalhador, este que é forçado a ficar em Portugal para receber o seu reembolso porque de outra forma o apoio é inexistente. Tratamos deste caso como uma dupla vitimização do estudante e do trabalhador: penalizado por ter de pagar os seus estudos e penalizado por não poder procurar melhores condições de vida no estrangeiro perdendo o apoio de um estado que tão pouco faz para melhorar as condições de vida no seu país.
E, portanto, recupero o título: existe ou não propina em Portugal? Existe, mas podia não existir. Com esta medida temos claramente a noção de que existem fundos orçamentais para simplesmente combater este entrave económico que recai sobre o estudante, mas não foi essa a decisão do governo de António Costa. É mais uma decisão administrativa péssima para juntar às dezenas de péssimas decisões que tem tomado desde a pasta da habitação à cultura.
O fim da propina não é um cenário distante nem irrealista, seria pouco sensato pensar nisto como uma questão radical. As universidades portuguesas nem sempre auferiram desse regime e nem sempre os estudantes se viram forçados a pagar para poder frequentar o ensino superior. As propinas são resquício cavaquista do hediondamente construído sistema neoliberal dos anos 90 do passado século, mas não esqueçamos a nossa constituição e o plano de abril, que advogava pela gratuitidade e democratização do ensino em todas as suas fases.
E também não achemos que o problema do sufoco económico estudantil se esgota na propina. A par e passo de uma luta pela redução do valor da propina observamos um crescimento selvagem dos preços do mercado para habitação estudantil e a degradação das residências universitárias públicas. Fica cada vez mais impossível para um jovem estudante viver e concentrar-se no seu desempenho académico, especialmente quando se vê forçado a fazer contas à vida, entre pôr comida na mesa e abandonar os estudos. Não podemos tolerar meias soluções do governo, e achar que elas resolvem problemas endémicos dos estudantes, dos jovens trabalhadores e da população que vive e trabalha em Portugal. É preciso lutar por mais, pelo futuro que merecemos.
