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É urgente romper com o bloqueio do investimento público nos transportes

A situação nos últimos 15 dias, entre 16 e 30 de maio, ao nível do transporte ferroviário e do transporte fluvial, agravou-se subitamente numa dimensão que não se pode ignorar.

Intervenção no Debate de Urgência “Supressões nos transportes públicos urbanos e suburbanos”, realizado na Assembleia da República em 31 de maio de 2019 e agendado pelo Bloco de Esquerda.

O Bloco de Esquerda convida hoje esta Assembleia e o Governo a realizar um debate de urgência subordinado ao tema “supressões nos transportes públicos urbanos e suburbanos”. Na realidade, este debate deveria ser classificado como um debate de emergência.

Como dizia o poeta, o défice zero está para o investimento público como “o rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem” (Brecht)

Emergência porque junta a urgência do tema – a supressão de transportes públicos – com a situação caótica, o transporte tipo sardinha em lata ou o desperdício que o não aparecimento do transporte provoca na vida das pessoas e na economia em geral.

Dir-se-á que esta questão não é nova, e que, porventura, quer os partidos, quer o próprio governo, já reconheceram que importa responder.

Mas a verdade é que quem tem a responsabilidade de dar as respostas – o governo – estas tardam a ser conhecidas. Daí este debate.

Mas há outra razão para essa emergência.

É que a situação nos últimos 15 dias, entre 16 e 30 de maio, ao nível do transporte ferroviário e do transporte fluvial, agravou-se subitamente numa dimensão que não se pode ignorar.

Efetivamente, nesse período, registaram-se:

  • 139 supressões de serviços ferroviários ao nível urbano/suburbano e regional, à média de 9 comboios/dia, nas diferentes linhas em exploração de Norte a Sul do país;

  • 415 supressões de serviços na travessia fluvial do Tejo, sob a responsabilidade da Transtejo e Soflusa, a uma média de 28 serviços/dia.

Nos comboios, o pódio do incumprimento contratual vai para a Linha de Sintra com 41 supressões, seguido pela Linha do Douro com 33, pela linha do Oeste com 14, acompanhada de muito perto pela linha de Cascais com 13, que tem direito a uma menção desonrosa. Aqui temos 72,7% de todas as supressões.

Nos barcos, de acordo com a Comissão de Utentes dos Serviços Públicos do Barreiro, faltam “30 trabalhadores nas áreas de navegação (mestres, maquinistas e marinheiros), na área administrativa e nas áreas comerciais e de apoio ao cliente”.

Esta situação conduziu a uma “situação insuportável” devido à enorme sobrecarga da operação nos primeiros 4 meses do ano, que obrigaram à realização de mais de 4.000 horas extras. Esta circunstância fez com que, em média, os operacionais da Soflusa já tenham ultrapassado o limite legal anual das horas extraordinárias da Lei Geral do Trabalho.

O que significa que, mesmo com a admissão de 4 novos mestres (que eram ex-marinheiros) e de 6 novos marinheiros, apenas se vai remendar o problema. Ou seja: perspetiva-se a continuação de fortes perturbações no serviço desta transportadora pelo menos até final do ano, a menos que… A menos que, o Governo mude de política!

E mudar de política significa que o Governo pare de fintar a opinião pública, os trabalhadores e a própria empresa, tentando encontrar paliativos que pouco resolvem para deixar quase tudo na mesma… Isto é: a empresa, os sindicatos e a Comissão de Utentes identificam a falta de 30 profissionais para a operação do transporte fluvial; o governo anuncia o recrutamento de 10; quantos ficam a faltar senhor membro do Governo?

Perguntamos: vai o Governo continuar a praticar a política da avestruz e a adiar decisões que consistem no devido preenchimento do quadro de pessoal efetivo para operar com os barcos que estão ao serviço?

Para quando, senhores membros do Governo, o contrato de prestação de serviço público entre a Transtejo/Soflusa e o Estado, onde se definam claramente as obrigações de serviço público da empresa e a respetiva contrapartida financeira para cumprir o serviço público que lhe esteja determinado, bem como os investimentos necessários que deve fazer em pessoas e em equipamentos (tal como esta Assembleia já aprovou), para que deixe de ser necessário a assinatura do Ministério das Finanças para reparar um motor de um barco ou o recrutamento de um marinheiro?

No caso dos comboios, a situação será um pouco mais complexa. Não porque os problemas sejam mais complicados de resolver, mas porque tudo se liga, umas coisas com as outras.

As supressões que, periodicamente, surgem em cada linha, têm várias origens e resultam do efeito conjunto de:

  • falta de pessoas;

  • de comboios;

  • de manutenção da infraestrutura;

  • dos riscos com o excesso de quilometragem do material circulante;

  • de definição de um quadro legal contratual estável.

São demasiados problemas que não auguram o seu desaparecimento próximo; pelo contrário, podem agravar-se.

Exemplo: a queda de uma catenária no passado dia 27 de maio, no Eixo Ferroviário Norte-Sul; talvez pudesse ter sido evitada se a manutenção e fiscalização tivessem sido feitas atempadamente.

Igualmente, as falhas de pessoal são gritantes.

Ainda agora, o Governo anunciou um acordo com os sindicatos da CP para o recrutamento de 145 trabalhadores para as áreas da operação: maquinistas, revisores, bilheteiras e manobradores.

Isto porque se reconhece que a situação atual é insustentável com os trabalhadores destas áreas a serem obrigados a fazer mais de 300h extra nos 4 primeiros meses do ano!

Até agora, apenas 14 manobradores estão em processo de concurso, faltam 131 admissões. Pergunta-se: vai o Governo cumprir a palavra dada até 30 de junho?

Mesmo sem fartura, o pobre tem direito a desconfiar. O problema parece ser o gargalo da decisão: a assinatura do Ministério das Finanças.

Aqui confrontamo-nos com o cenário que o Sr. Ministro das Finanças tanto gosta: o défice Zero.

Como dizia o poeta, o défice zero está para o investimento público como “o rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem” (Brecht).

É urgente romper com o colete de forças que bloqueia o investimento público nos transportes.

Não vamos desistir de responder às expectativas de mobilidade que muito milhares de utentes têm hoje fruto do abaixamento radical de preços por que sempre nos batemos e que o PART consagrou no OE2019. O PART, nos dois primeiros meses, aumentou a procura de transportes em mais de 20%, facto que se confronta com a exiguidade de meios de transporte.

Mesmo que, no imediato, esse investimento não apareça, é preciso decidi-lo agora, para preparar o futuro.

E o futuro, só pode ser mais, melhores e ainda mais baratos transportes públicos, para todos e todas.

Sobre o/a autor(a)

Economista de transportes
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