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E se o ódio perder o rastilho?

Qualquer aprendiz de “marketeer” sabe que o ódio não vende e que nenhuma empresa gosta de ver a sua marca associada a polémicas, discussões, ameaças, insultos ou agressões, mesmo que sejam virtuais.

Basta abrir qualquer uma e elas lá estão. Insultuosas e violentas. Com o prolongamento da pandemia são cada vez mais. Agressivas e assustadoras. As mensagens de ódio nas redes sociais são uma ameaça cada vez maior à democracia e o seu alcance aumenta exponencialmente a cada dia que passa.

As mensagens de ódio nas redes sociais são uma ameaça cada vez maior à democracia e o seu alcance aumenta exponencialmente a cada dia que passa

A inédita situação que o mundo atravessa dissemina, multiplica, amplifica as mensagens de ódio nas redes sociais. Por trás, há quem esfregue as mãos de contente. A estratégia é sempre a mesma e replicada à escala global. A passar por horas de angústia económica, muitos meios de comunicação social vão atrás, os títulos das notícias são orientados à polémica, as temáticas também.

Qualquer tipo de mediação está fora de hipótese, o que gera cliques é “ver o circo a arder”. A ERC – Entidade Reguladora da Comunicação Social – perdida num mar de desorientação e impreparação para lidar com os novos canais digitais, assobia para o lado. É um faroeste digital, onde perdura quem tecla mais rápido ou com maior brutalidade.

Não há limites nem linhas vermelhas. Contra o “politicamente correto”, em nome de uma liberdade de expressão que ultrapassa a barreira da legalidade, a esfera profissional ou pessoal. O que importa são os “likes”, as partilhas, os seguidores, “espalhar a palavra”.

Nem importa como: se é espalhando mentiras, difundindo “fake news” ou inventando histórias. A própria realidade perde credibilidade perante o que se defende. A realidade que se adapte ou que se crie uma nova, um mundo de factos alternativos. A própria ciência e o conhecimento são relegados para segundo plano.

Trump é mestre na arte. Usa e abusa destas “técnicas” e instrumentaliza os algoritmos como ninguém. Uma arte que rendeu uma eleição presidencial e expandiu para o Reino Unido, colocando a “Velha Albion” fora da União Europeia.

O ódio não vende

Mas os desenvolvimentos mais recentes podem virar o tabuleiro do jogo. Qualquer aprendiz de “marketeer” sabe que o ódio não vende e que nenhuma empresa gosta de ver a sua marca associada a polémicas, discussões ou, pior, ameaças, insultos ou agressões, ainda que virtuais.

A marca é o bem mais precioso de qualquer empresa e as grandes multinacionais protegem-na como se a sua existência dependesse disso. Até porque, muitas vezes, depende mesmo. Preocupadas com a transformação de algumas redes sociais em canos de esgoto do pior que a Humanidade tem, reputadas marcas mundiais como a Coca-Cola, a Unilever, a Starbucks ou a Microsoft decidiram boicotar o investimento publicitário no Facebook, cortando milhões de euros despendidos mensalmente em anúncios naquela rede social.

Em causa está a inação do CEO, Zuckerberg, em relação à desinformação e ao discurso de ódio que cada vez mais se dissemina na sua rede social, o Facebook. Segundo a agência noticiosa financeira Bloomberg, este bloqueio pode representar uma quebra nas receitas do Facebook avaliada em mais de seis mil milhões de euros.

Este inédito movimento empresarial surgiu na sequência do lançamento da hashtag #StopHateforProfit, impulsionada pela Liga Antidifamação e pela Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor. O objetivo é chamar a atenção dos grandes grupos económicos para que estes cessem a publicidade no Facebook, como veio a acontecer.

A Unilever e a Coca-cola estenderam o boicote ao Instagram e ao Twitter, pelo menos, durante 30 dias. Em alternativa, as multinacionais irão canalizar os seus investimentos para o Pinterest, o Google e o Tik Tok.

Revolta nas “redes”

Os primeiros resultados não tardaram. O Twitch suspendeu o canal oficial de Donald Trump por “conduta de ódio”, naquela que terá sido a primeira reação ao boicote promovido pelo movimento #StopHateforProfit.

Aquela rede social de streaming, propriedade da Amazon, suspendeu a conta de Trump após uma re-emissão de uma campanha de 2015, onde o presidente difundia mensagens de ódio contra os mexicanos, apelidando-os de “traficantes de droga, violadores e criminosos”.

Embora não determinasse a duração do bloqueio da conta do presidente, o Twitch defendeu, através de um porta-voz, que “condutas de ódio não são permitidas” naquela rede social, removendo o stream com o discurso onde Trump ofendia os mexicanos.

Recorde-se que, nos últimos meses, várias outras plataformas já haviam tomado medidas contra a verborreia incendiária do presidente norte-americano (nunca pensei escrever isto) e o discurso incendiário contra minorias ou povos de outros países. Primeiro foi o Twitter a sinalizar mensagens de Trump como “fake news” e de “apologia à violência”, pouco tempo depois, o Snapchat anunciou que ia deixar de promover a conta do presidente dos EUA.

Há poucos dias, o Reddit difundiu que vai banir a comunidade “The Donald”, um canal digital de grande afluência de seguidores de Donald Trump.

As redes sociais são canais para vender e nenhuma persiste se não gerar receitas. Cortar o investimento publicitário é bater-lhes onde mais lhes dói e um golpe sem precedentes no discurso do ódio

A semente está lançada. Pode ser conjuntural, tendo em conta os acontecimentos das últimas semanas, a força dos movimentos internacionais contra o racismo e a discriminação ou os resultados descendentes nas sondagens do presidente Trump. Mas o caminho passa por atingir as empresas proprietárias das redes sociais onde mais as afeta: na carteira.

As redes sociais são canais para vender e nenhuma persiste se não gerar receitas. Cortar o investimento publicitário é bater-lhes onde mais lhes dói e um golpe sem precedentes no discurso do ódio e nas suas origens. Quando deixarem de ser lucrativas, o destino das redes sociais é a morte.

Se, para subsistir, os seus CEOs forem pressionados a eliminar as mensagens e a conduta de ódio, uma parte do destino das democracias estará nas mãos dos seus maiores investidores.

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Jornalista
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