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É este o Douro que queremos?
“O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a refletir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A Beleza absoluta.” – Miguel Torga
Foi este excesso de beleza descrito por Miguel Torga que há praticamente 20 anos atrás valeu ao Alto Douro Vinhateiro o galardão da UNESCO de património mundial.
Hoje, passados esses quase 20 anos é divulgado pelos mais variados meios de comunicação social que o Alto Douro Vinhateiro, património mundial da UNESCO perdeu quase 30 mil pessoas.
A questão que se coloca imediatamente, é o que poderá ter levado a esta perda populacional.
António Cunha, Presidente da CCDR-N (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte), responde, é preciso encontrar formas de valorizar mais a região onde se produz o vinho de porto. Acrescenta ainda, que durante estas 2 décadas se criou uma referência internacional que é muito positiva.
Se há 20 anos o galardão valeu ao Alto Douro Vinhateiro projeção internacional, criação de postos de trabalho, criação de serviços, recursos e oportunidades. O Alto Douro Vinhateiro de hoje é ligeiramente diferente e urge refletir sobre este Douro a que chegamos. Por quem foi construído, para quem foi construído.
Construído pelos gigantes do turismo como, por exemplo, a DouroAzul, empresa líder de cruzeiros fluviais do rio Douro, em Portugal e um dos grandes empregadores da região, sendo-lhe reconhecida a preferência pela celebração de contratos precários com os trabalhadores.
O Douro passou a ser construído para os turistas, que durante os meses de verão até podem conhecer a região a partir de um comboio turístico onde um adulto paga €40 (quarenta euros) e uma criança €20 (vinte euros).
Chegamos a um turismo massificado e insustentável, com especulação imobiliária, trabalho precário e degradação do ecossistema. Um turismo que não permitiu criar postos de trabalhar, nem fixar serviços ou pessoas.
Já se percebeu que os caminhos traçados pelos grandes senhores do Douro não foram os melhores, acabando por não conseguir o que de mais importante era para a região, a fixação de pessoas. Inversamente, os senhores do Douro, fizeram da região um negócio altamente lucrativo, do Rio um esgoto a céu aberto, da flora um recurso inesgotável.
Perdemos 30 mil pessoas em 20 anos e maior parte da população é envelhecida. Não precisamos de valorizar ainda mais a região como disse o presidente da CCDR-N, a região já está valorizada. Já temos vinho de denominação de origem controlada e uma imagem internacional imbatível, não fosse o alto Douro Vinhateiro a região vitícola mais antiga do mundo e de uma beleza ímpar.
Agora, precisamos de devolver o Douro às pessoas. Para isso, é importante que as pessoas e os seus direitos sejam o foco em diante. Abrir os serviços que foram encerrados pelos governos socialistas e sociais-democratas. Elaborar estratégias de combate e fiscalização à precariedade laboral na região, criar serviços e oportunidades para os jovens, seja através da criação de bolsas de emprego ou estudo, encontrar um equilíbrio entre a região e o turismo, um turismo sustentável que respeite o ecossistema, as tradições e costumes, mas sobretudo as pessoas. Devolver o Douro às suas gentes, é que deveríamos querer!
Artigo publicado em Interior do Avesso a 19 de novembro de 2021
Comentários
Realmente não é este o Douro
Realmente não é este o Douro que gostaríamos de ter! Mas também não é por levarmos para lá mais pessoas que ele ficará diferente!
O que é mesmo necessário é reactivar a actividade económica perdida com o esgotamento funcional da Casa do Douro.
Não para produzir mais, mas para vender a preços compensadores aquilo que lá é produzido!
Quatro números que bem refletem o que é necessário alterar:
1 – a RDD produz anualmente (média) 230 mil pipas de vinho;
2 – a RDD comercializa anualmente (média) quase 400 mil pipas de vinho;
3 – da produção anual da RDD, 50 mil pipas não tem destino comercial com ela relacionado;
4 – a quantidade anualmente comercializada de Vinho do Porto vem recuando desde o início deste século (172 mil pipas em 2000 para 125 mil pipas em 2020).
Para o Vinho do Porto ser absolutamente genuíno, produzido exclusivamente com matéria-prima da RDD, como se constacta pelos números acima, toda a produção regional é insuficiente!
Deixem-se de lamúrias! Saibam acrescentar valor à produção nacional!
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