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E as escolas, sr. Centeno?

A solução para o amianto é removê-lo para sempre – das escolas, dos hospitais, dos edifícios públicos e privados –, fazendo-o sempre segundo as melhores práticas e com todos os cuidados que a ciência define.

Para o MESA – Movimento Escolas Sem Amianto, as escolas devem ser prioridade absoluta, por razões por demais evidentes.

A pouco menos de mês e meio da votação do Orçamento do Estado para 2020, deu entrada na Assembleia da República uma petição para a remoção do amianto das escolas portuguesas com mais de 5300 assinaturas, recolhidas em menos de 12 dias. Uma manifestação inequívoca de que a opinião púbica está agora bem desperta para o problema do amianto nas escolas.

Durante esta semana e meia, encarregados de educação, alunos, professores, diretores e funcionários de muitas escolas de norte a sul do país andaram de folha na mão a recolher assinaturas e de telemóvel em riste a partilhar o formulário online. O resultado foi uma angariação em tempo recorde.

Este é um sinal inquestionável de que, mais do que nunca, foi possível unir a comunidade educativa em torno de uma temática comum, que implica com a saúde e o bem-estar de todos.

As reivindicações são tão simples como cumprir uma lei que o próprio Estado criou, mas que teima em não querer cumprir: uma lista pública atualizada de escolas com amianto, a calendarização das intervenções nas escolas para remoção do amianto, apontando as prioridades, e a erradicação total do amianto dos estabelecimentos escolares.

No fundo, reivindica-se algo que a França começou a fazer há 30 anos e que a Itália completou há uma década. Enquanto a Europa tenta cumprir a meta estabelecida pela União Europeia para a erradicação do amianto – em 2032 –, por cá discute-se se o fibrocimento será mais ou menos nocivo consoante as condições em que se encontra ou se bastará dar-lhe uma pintura ou mantê-lo intacto para que se aguente por mais um par de anos. Como acontece, aliás, sempre que surge um problema que implique um investimento significativo, como é o caso.

A solução para o amianto é removê-lo para sempre – das escolas, dos hospitais, dos edifícios públicos e privados –, fazendo-o sempre segundo as melhores práticas e com todos os cuidados que a ciência define. Para o MESA – Movimento Escolas Sem Amianto, as escolas devem ser prioridade absoluta, por razões por demais evidentes.

Parque escolar votado ao abandono

O problema do amianto só se coloca porque, durante anos, governo após governo, a requalificação do parque escolar foi deixada para segundo plano, negligenciada e sucessivamente adiada. Ou foi feita segundo critérios, no mínimo, questionáveis, deixando de fora três quartos das escolas do país.

O primeiro dos (muitos) entraves colocados por quem se sente incomodado com a mobilização de um movimento que conseguiu a proeza de juntar, à mesma MESA, pais, alunos, professores, funcionários e restantes intervenientes da comunidade educativa é sempre o mesmo: não há dinheiro!

Qualquer pessoa que faz parte do que se designou denominar comunidade educativa sabe que são necessários vários milhões para requalificar o parque escolar – votado ao abandono durante anos – e para remover os materiais degradados que contêm amianto da sua estrutura. É por isso que se reivindica um plano calendarizado e progressivo.

Isto, apesar de o Estado se preparar para – tudo indica – injetar mais 800 milhões de euros no Novo Banco, dando seguimento aos mais de 18 mil milhões afundados nas várias instituições bancárias que necessitaram de ajuda financeira na última década. Talvez o problema não seja então o dinheiro, mas antes o estabelecimento de prioridades. E talvez a escola pública não seja, atualmente, uma delas.

Escola pública ou brilharete financeiro?

Portugal teima em ser um país pobre com roupa de rico, que se apresenta ao mundo como o ex-libris do turismo, na vanguarda da inovação e da tecnologia, que não hesita um segundo em aprovar um investimento de 250 milhões em algo tão fundamental para o país como a Agência Espacial Europeia.

Mas, neste país dos muitos milhões para os bancos e para a corrida ao espaço, há milhares e milhares de alunos que têm de levar mantas e luvas para a escola porque não há dinheiro para o aquecimento. E há milhares de professores e funcionários que colocam a sua saúde em risco simplesmente por estarem no seu local de trabalho, onde não há dinheiro para remover os materiais degradados que contêm amianto.

Neste país esquizofrénico, onde se discute o ordenado mínimo ao cêntimo, onde o critério para ganhar os concursos públicos é quase sempre o do orçamento mais baixo, onde se poupa nos materiais isolantes empregues nas escolas e nos vencimentos dos funcionários não docentes, para gastar a bel-prazer nos caprichos políticos mais eleitoralistas, a escola está a ir ao fundo.

E, com ela, o garante universal do ensino público gratuito para todos e o papel de nivelamento social que esteve e continua na sua génese.

Sacrificar a escola pública aos desígnios de um brilharete financeiro, onde uma décima a mais pode significar um rumo de vida diferente para milhares de crianças e jovens, não é irresponsável, é cruel, é quase criminoso.

Antes da apresentação do Orçamento do Estado para 2020, o MESA apresentou ao Governo duas propostas a incluir no documento: um plano nacional para a remoção do amianto nas escolas e um plano estratégico para a requalificação do parque escolar. Da tutela, nem resposta. Apenas um muro de indiferença.

Artigo publicado em publico.pt a 4 de dezembro de 2019

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Jornalista
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