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E agora, George?

Nos dias que correm, vezes nos lembramos da sensação de declínio americano que se desprendia da fraca figura do recém-eleito George W. Bush, antes do impacto mundial do 11 de Setembro de 2001.

Nesses primeiros tempos da nova administração americana acumulavam-se os sinais de que algo estava errado na América. A recessão estava instalada no meio dos estilhaços da bolha da nova economia das dot-coms; os escândalos das grandes empresas sucediam-se, os fundos de pensões colapsavam, grandes impérios empresariais esvaíam-se no ar de um dia para o outro; e as desigualdades na sociedade americana extremavam-se. Na política imperava a sensação de irrealismo e ilegitimidade, com um procurador a exigir o “impecheament” de Clinton por uma “escapadela” sexual com uma estagiária, e Bush ganhava as eleições por cinco votos contra quatro no Supreme Court. E os sinais de uma estranha violência “interna” espraiavam-se desde os motins de Los Angeles, ao morticínio de Waco e Oklahoma, os adolescentes de Columbine, a explosão do número de encarcerados nas prisões americanas. Uma década depois da vitória sobre o “império do mal” a Leste, a América parecia não ter destino feliz.

O 11 de Setembro não alterou muito desta história interna da América. Mas permitiu uma fuga para a frente do novo poder neoconservador. Permitiu à administração neoconservadora de Bush criar e sustentar uma lógica de mobilização nacionalista para uso interno, e gizar uma estratégia de reconquista (ou manutenção) de hegemonia no campo mundial. No debate político interno, tudo foi silenciado e subjugado a uma retórica que mistura nacionalismo serôdio e vontade legítima de segurança por partes dos norte-americanos. Nas relações externas, os atentados sobre Nova York e o Pentágono foram a desculpa útil para partir em busca do mais importante recurso natural da economia mundial – o petróleo.

É que a década de 90 tinha mostrado alguma coisa. Que o mundo se movia. À excepção da indústria militar, e de alguns sectores de alta tecnologia e da indústria agrícola, os EUA pareciam perder a liderança mundial, e o estatuto de maior devedor de toda a história tornava a América vulnerável à turbulência dos mercados financeiros do final dos anos noventa.

Para alguns sectores americanos, a situação já não se compadecia com a manutenção da política de Clinton, de usar o multilateralismo para avançar com uma agenda de liberalização do comércio a nível global. Era necessário um remédio mais forte. O 11 de Setembro forneceu a justificação necessária, à mistura com mentiras e mistificações sobre a improvável ligação Al Qaeda-Saddam Hussein, para a única super-potência mundial usar a sua última carta – o poder militar – e aplicar a simples lógica da pilhagem sobre o petróleo do Iraque.

Três anos depois, a estratégia evidencia um rotundo fracasso. As mentiras que sustentaram a intervenção foram reveladas, a opinião pública americana dá mostras de cansaço e descrença na ofensiva, a revista Lancet indicava num estudo um número chocante de vítimas (655 mil), o Iraque vive uma guerra civil surda que os “Aliados” não conseguem parar. Bush continua a dizer que estão a vencer, que vão vencer. Este mês morreram 90 soldados americanos. O petróleo não regressou ao preço de 30 dólares por barril. Regressa a sensação de declínio. E agora, George?

Sobre o/a autor(a)

Investigadora do CES
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