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Duas palavras

Ao olhar para o ano que agora começa, as palavras petróleo e Grécia assumem uma importância tão grande – é que em ambas vai suposto esse poder arrasador dos anónimos mercados e a suposta irresponsabilidade dos poderes políticos pelo que se vier a passar.

O mercado é uma arma. É um detonador remoto de crises e de mudanças de regime, que dispensa os custos de intervenções militares ou de campanhas diplomáticas. Arrasar uma economia mono-exportadora ou sufocar um poder adverso através de operações especulativas sobre a sua moeda passou a ser um derivado relativamente trivial do “regular funcionamento” dos mercados. Com a agravante de não haver rostos concretos que possam ser responsabilizados por essas consequências. A natureza nebulosa dos mercados produz essa tremenda noção de irresponsabilidade concreta.

É por tudo isto que, ao olhar para o ano que agora começa, as palavras petróleo e Grécia assumem uma importância tão grande – é que em ambas vai suposto esse poder arrasador dos anónimos mercados e a suposta irresponsabilidade dos poderes políticos pelo que se vier a passar.

A descida súbita e drástica do preço do barril de crude (de 114 dólares para 56 em menos de um trimestre) tem certamente razões de mercado. A quebra do ritmo de crescimento do consumo – sobretudo pela contenção da bolha imobiliária na China – e a injeção do petróleo de xisto no circuito de consumo em massa são expressões claras disso. Mas há uma óbvia estratégia política nesta concreta reorientação dos preços e na financeirização do mercado. O mercado – o do petróleo por excelência – é sempre para alguém e para algum propósito. Vergar economicamente, ainda uma vez, a Rússia e, por tabela, as economias de Angola, da Venezuela ou do Irão é a prova de como o mercado, sendo anónimo não é politicamente cego. Em 2015 essa será uma realidade à prova.

Na Grécia, a clareza dessa natureza política do mercado é ainda mais flagrante. As chantagens de Merkel e da Comissão Europeia sobre a decisão democrática do povo grego, antes de serem expressão de ambições geopolíticas ou de fórmulas ideológicas gerais, são a voz desse mercado que não tolera entraves à sua voragem e que não hesita em pôr a democracia em sentido para que esse seu desiderato se cumpra por inteiro. De há anos a esta parte que a Grécia é a prova de que o casamento entre democracia e liberalismo que alguns distraídos acreditaram que se configuraria como uma categoria definitiva – o chamado modelo demo-liberal – é hoje uma contradição em estado puro.

Grécia e petróleo – atentemos nestas duas palavras no ano que agora começa. E constatemos nelas a disputa política maior do nosso tempo: a que contrapõe liberalismo e democracia.

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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