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Dos malefícios do Cavaco

A direita rancorosa é também estúpida e não entende os sinais da vida.

Ter como objectivo polítco estratégico uma “maioria, um governo e um presidente”, convenhamos que é mesquinho.

Pois foi isso que herdaram de Sá Carneirro os trastes que hoje andam a esbracejar e a vociferar contra a Constituição e a democracia.

Herdaram, portanto, também, o golpismo dos Carneiros – Sá Carneiro e Soares Carneiro - que fez com que vultos eminentes da ala liberal que se opôs timidamente ao fascismo, sem conseguir no entanto acompanhar a oposição à guerra colonial, como Vilhena de Carvalho, Magalhães Mota, Cunha Leal entre outros, abandonassem o partido de Sá Carneiro e formassem a ASDI, de inspiração social-democrata.

Sá Carneiro, como tenho lembrado noutros escritos, à frente da AD que venceu as eleições intercalares de 1979 e as legislativas logo em Outubro de 1980, não quis apresentar o programa do seu governo saído dessas eleições para, confessamente, só o fazer depois de ganhar as presidenciais como esperava apoiando o fascista e mercenário (à frente de tropas da FNLA contra a independência de Angola) General Soares Carneiro.

O objectivo proclamado era o de “reconduzir Portugal aos caminhos da sua história”; ainda o 25 de Abril estava quente!

Esta, decerto, uma das principais razões que faz com que lá pelo CDS invoquem e se rendam ao “líder carismático”da AD, para se inspirarem nas agruras da travessia.

Portanto, não admira que Cavaco e a sua malta saída da jsd, dos Jeep (“Jovens empresários de elevado potencial” que o seu governo brindou com subsídios à fartazana) das empresas e empreendedores empenhadas no projecto fraudulento do BPN, e outros fraudulentos sem projecto ou projecto meramente familiar como o BES, que inspirou e avalizou ( a política há-de servir para alguma coisa pensaram e pensam os Dias Loureiro ,ícone de Passos Coelho, Oliveira e Costa, Duarte Lima, etc.) estejam entre acobardados e furibundos E com alguma razão, diga-se em abono da verdade, face a uma maioria e um governo decididos a não aparar os golpes com que quotidianamente se têm instalado e aboletado no regime que o 25 de Abril inaugurou e que o 25 de Novembro deles (segundo o Vasco Lourenço houve vários 25 de Novembro, eu acredito mas cada um sabe as linhas com que se cose e coseu) persiste em neutralizar, sem êxito como se constata ao fim destes 40 anos.

Não devemos, pois, admirar-nos que, perdido o projecto de uma vida, de duas gerações laranja de ensacamento à tripa forra, perdida a grande e gloriosa conquista obtida em 2011, perdida a maioria, o governo e o presidente deles todos, se sintam como baratas tontas e venha ao de cima toda a sua índole golpista e trapaceira.

E, como é das normas daquelas bandas, atribuem aos outros, contra a razão, a democracia, a Constituição e, vá lá este também, o simples bom senso, a sua técnica de ludibrio já sem qualquer sofisticação.

Inspirados em Sá Carneiro e sob o ministério de Cavaco preparam-se para incitar os seus correlegionários ao afrontamento do Estado de Direito sob a alegação de que é preciso defendê-lo.

A demora em indigitar António Costa para primeiro-ministro, criteriosamente gerida por Cavaco, semeando a instabilidade que ele próprio diz repudiar, destina-se - não há outra explicação para esta tentativa de substituição do poder democrático do Parlamento pelo dos representantes das corporações (Salazar e Caetano deixaram discípulos doutorados) - a, desesperadamente, manterem uma iniciativa política que já perderam desde que Catarina Martins, naquela noite estelar, disse a António Costa vamos conversar a sério, à esquerda, para travar a austeridade e abrir as portas da democracia.

E que bem foi ouvida pela cidadania farta de esbulho e de arrogante expropriação dos seus mais fundamentais direitos.

A direita rancorosa é também estúpida e não entende os sinais da vida.

Pela Europa, de forma ainda não estridente mas já audível, soa o palpitar da mudança. Os social-democratas que, nas instituições da U.E. e nos países que nela se movimentam canhestros e também desorientados, gritaram “sus a eles” contra o povo grego, começam a fazer reset e a perceberem que, se não querem perder a última réstea de coerência, é precisa outra forma de encarar este confronto radical do interesse dos povos e da própria Europa que conceberam, contra o poder brutal dos mecanismos ideológicos, económicos e políticos impostos pela finança que ajudaram a julgar-se todo-poderosa.

O Bloco de Esquerda está dando o seu contributo exemplar e determinado. E, felizmente para todos, esse é também o diapasão que afina a maioria parlamentar que despejou com justa causa os meliantes políticos e tratará dos “malefícios do Cavaco”.

Sobre o/a autor(a)

Coronel na reforma. Militar de Abril. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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