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Do tamanho do Governo à urgência da Regionalização

As evidências da necessidade de um processo de regionalização administrativa em Portugal que conduza a regiões com autonomia de decisão e meios para promover o adequado desenvolvimento aumentam a cada dia que passa.

O debate sobre a regionalização continua na ordem dia. As evidências da necessidade de um processo de regionalização administrativa em Portugal que conduza a regiões com autonomia de decisão e meios para promover o adequado desenvolvimento aumentam a cada dia que passa. O Relatório da Comissão Independente para a Descentralização torna evidente a necessidade de um novo modelo territorial, mas também da descentralização como elemento democratizador do Estado.

As assimetrias entre litoral e interior, entre territórios urbanos e os que têm maior pendor rural, as disparidades regionais, dos sistemas urbanos e das grandes infraestruturas de transportes e comunicações, têm vindo a agravar-se com prejuízos enormes para a qualidade de vida das populações, mas também em prejuízo do desenvolvimento do país, do ambiente e da biodiversidade. O despovoamento dos territórios são a causa primeira dos grandes fogos que todos os anos consomem grandes áreas de florestas, de incultos, mas também de infraestruturas e até vidas humanas. Deixámos de falar apenas em fogos florestais para falarmos de fogos rurais.

Esta dicotomia demográfica entre litoral e interior e entre rural e urbano tem-se vindo a agravar e não creio que se resolva com a nova reorganização da orgânica do Governo, principalmente no que respeita aos ministérios que têm as políticas com impacte directo no desenvolvimento dos territórios. Esses Ministérios são, pelo menos, cinco: Coesão Territorial; Planeamento; Infraestruturas e Habitação; Ambiente e Ação Climática (que integra as Florestas) e Agricultura. Estes serão os Ministérios com impacte mais directo na organização dos territórios, mas não menos importantes para a vida das pessoas e a sua fixação nos lugares que escolhem para viver. Além destes, também os Ministérios que definem as políticas com responsabilidades na garantia do acesso à cultura, à saúde, à educação, à justiça e aos direitos sociais são essenciais para a coesão territorial e social.

Recuso-me a entrar no debate sobre o número de ministérios e de secretarias de Estado, mas coloco o debate, e julgo que esse é o verdadeiro debate, sobre como se vão articular ao nível das regiões.

A cada um destes Ministério corresponde um, ou mais do que um, organismo desconcentrado em cada região, sem qualquer ligação directa entre si. Em cada região temos uma CCDR (Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional) que, no essencial, tem dependido da tutela conjunta do Ministério da Administração Interna e do Ministério do Ambiente e são extensões do Governo em cada região. Temos 21 CIM – Comunidades Intermunicipais espalhadas pelo território nacional (órgãos que não são eleitos por sufrágio directo, mas pelos respectivos deputados municipais). Temos a uma escala mais local os únicos órgãos de poder eleitos directamente pelo povo que são as Câmaras Municiais, as Assembleias Municipais e as Assembleias de Freguesia.

Parece-me que com esta enorme desconexão entre estruturas regionais e locais, frequentemente com sobreposição e/ou descoincidência no território e, com excepção das autarquias locais, todas elas sem legitimidade democrática própria, será impossível levar a cabo um conjunto de políticas que promovam o desenvolvimento do país contrariando as assimetrias, nomeadamente o despovoamento e a desertificação (processos que frequentemente coincidem nos territórios).

Para se conseguir criar bem estar na vida das pessoas, contrariar a destruição do ambiente, combater as alterações climáticas, fazer a urgente e propalada transição energética e agroecológica, é obrigatório uma forte articulação de políticas e de actores nos territórios e isso só se consegue com estruturas regionais que tenham legitimidade democrática supramunicipal, que respondam perante o povo que as elegeu.

Com o processo de descentralização aprovado na legislatura anterior por PS e PSD esta questão agrava-se cada vez mais. No processo de “municipalização” em curso, chamado de descentralização, as CIM e as CCDRs terão cada vez maiores responsabilidades, desde logo no planeamento do território e na gestão dos fundos comunitários que são a maior fatia do investimento público.

Os resultados de um inquérito aos autarcas sobre a regionalização e as competências das autarquias realizado pelo IPPS-IUL - Instituto para as Políticas Públicas e Sociais do ISCTE, concluem que 84% dos presidentes de câmara consideram que as regiões administrativas devem ter órgãos próprios eleitos diretamente e 77% consideram que as regiões administrativas devem ser criadas a curto prazo. O mito de que haveria uma contradição insanável entre municipalismo e regionalização cai por terra.

A Comissão Independente para a Descentralização traçou numa proposta de roteiro para que a regionalização avançasse nesta Legislatura. As próximas eleições autárquicas poderiam servir de meta.

No recente debate sobre o Programa do Governo, o Primeiro Ministro António Costa referiu que para que o processo de regionalização avançasse seria necessário um amplo consenso que incluía o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pois foi ele o principal responsável pela inclusão do seu travão na Constituição.

Ora bem! Que se entendam, meus senhores. O país não pode continuar “ad eternum” à espera. A sociedade está cada vez mais ciente da necessidade de regionalizar, como demonstra o inquérito aos autarcas. Marcelo Rebelo de Sousa está interessado no apoio de António Costa para se reeleger e o país precisa da regionalização para se desenvolver. Vamos então a isso, a Regionalização está na ordem do dia!

Sobre o/a autor(a)

Engenheira agrícola, presidente da Cooperativa Três Serras de Lafões. Autarca na freguesia de Campolide (Lisboa). Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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