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Direitos ou restos?
O que está em causa é a cultura cívica que estabelece que todos pagamos impostos – segundo um esquema progressivo – precisamente para que todos possamos ter, efectivamente, direitos de dignidade suportados por serviços públicos que asseguram que ninguém fica deles excluídos pela sua condição económica, social ou cultural. A verdade é que a direita nunca aceitou a dimensão social, económica e cultural da democracia, isto é, o reconhecimento de direitos universais nesses domínios como pré-requisito imperativo de uma democracia digna desse nome. Não, a direita sempre encarou esse cenário como um risco de subversão das hierarquias sociais e económicas e quis limitar a democracia a uma roupagem procedimental e institucional, nada mais.
Ora, o que o Governo exprime neste Plano de Emergência Social é precisamente essa visão que a direita tem da sociedade. Em opções como a da distribuição dos restos dos medicamentos em vésperas de fim de validade (aplicação às farmácias do célebre programa de redistribuição de comida dos restaurantes, tão elogiado por Cavaco Silva), a do arrendamento excepcional de habitações revertidas para a banca ou a do estímulo à contribuição voluntária de empresas a título de “responsabilidade social”, o que se evidencia é, acima de tudo o corte com uma democracia assente em direitos de todos, substituída pelo acesso dos pobres aos restos do bodo dos outros. E isso é insuportável, isso é indigno.
Todo o socorro a quem precisa deve ser feito. É uma quimera irresponsável pensar que se resolve o problema do pobre ensinando-o a pescar ao mesmo tempo que se lhe nega o peixe que lhe dará forças para segurar na cana de pesca e para pensar na melhor estratégia para apanhar o melhor peixe. Ele ficará porventura ensinado mas morrerá faminto entretanto. Uma coisa não vai sem a outra. E o que a direita quer é que vá, que tudo fique no mero socorro sem envolver a mudança de capacidade do pobre. E com a suprema indignidade de cingir aquilo a que chama justiça social à distribuição dos restos que a sociedade já não usa ou já não quer.
Digam-me lá então que isso de esquerda e de direita são conceitos ultrapassados! Pois eu digo-vos: não há esquerda digna dessa designação que não se revolte contra um discurso bonzinho em que os direitos são substituídos por esmolas.
Comentários
Voltamos aos tempos da
Voltamos aos tempos da "mendicidadezinha" sobre os pobres mais pobres e os lucros para os ricos mais ricos - Democracia de "elites" - Em democracia só cedemos parte da nossa liberdade no que concerne à justiça, mas neste país qual "justiça" e quais direitos sociais a que temos direito??
Mais uma óptima análise, obrigado JMP
Pois é, os restos par os
Pois é, os restos par os pobrezinhos. Mas reparem que esta politica, tem muito a ver com um sector dominante da igreja católica. Ah, anda vamos falar, e muito, das santas casas de misericórdia, que a própria designação tudo diz.
A caridadezinha está de
A caridadezinha está de volta!Depois da medida de "grande alcance" que foi a dispensa do uso de gravata dos trabalhadores do ministério da agricultura,que permite economizar o suficiente para pagar os chorudos ordenados dos novos comissários políticos da Caixa Geral de Depósitos,temos agora um ciclópico programa de "ataque"aos restos dos ricos,para "gáudio" dos pobres!!Depois do "êxito social" obtido pela distribuiução dos restos dos restaurantes,fruto de um dificílimo exercício imaginativo cavaquista, sófaltava uma ação destas para solucionar o problema da pobreza em Portugal.
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