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A direita e o combate aos pobres

Os direitos dos mais desfavorecidos têm vindo a ser alvo de um ataque feroz. Para a direita, esta investida ainda não é suficiente. PSD e CDS elegem como alvo os mais pobres dos pobres.

O Orçamento do Estado para 2010 (OE’2010) diminuiu em 2,5% a verba afecta ao Rendimento Social de Inserção (RSI). O Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013 introduziu um tecto máximo de 400 milhões de euros na despesa com o RSI em 2011 (quebra de 95,2 milhões de euros face a 2010) e de 370 milhões de euros em 2012 e 2013.

Em Junho de 2010, o governo socialista aprovou um conjunto de medidas que implicaram um corte nos apoios sociais de 90 milhões em 2010 e 199 milhões em 2011.

As novas regras de condição de recursos para aceder aos apoios e prestações sociais, que prevêem o alargamento do conceito de agregado familiar, o alargamento do leque de rendimentos a serem considerados para a atribuição da prestação e a forma de apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, penalizaram de forma particular o RSI.

O valor do montante a atribuir por cada elemento do agregado familiar diminuiu, sendo penalizadas as famílias mais numerosas, foram extintos os apoios à maternidade e outros apoios especiais, passou a ser motivo de cessação do RSI a recusa de emprego conveniente, de trabalho socialmente necessário ou de formação profissional, entre outros.

Resultado: diminuição do valor das prestações, diminuição do número de beneficiários, agudização da pobreza, aumento das desigualdades, degradação da democracia.

Mas a direita não se dá por satisfeita.

No programa da troika, que merece o aval do PS, PSD e CDS, consta que “o governo vai estender a utilização da condição de recursos e melhorar os alvos dos apoios sociais de forma a conseguir uma redução na despesa com benefícios fiscais sociais de pelo menos 350 milhões de euros”.

Mas a direita continua por não se dar como satisfeita.

No seu programa eleitoral, o PSD prevê a reapresentação do projecto de lei sobre o “Tributo Solidário”, que mereceu apenas o voto favorável do CDS, no qual defende que é necessário moralizar os desempregados e os beneficiários do RSI, fazendo com que estes trabalhem gratuitamente três tardes por semana.

O CDS, por sua vez, propõe “a atribuição de parte da prestação [RSI] em espécie, pelo sistema de vales sociais consignados a despesas concretas”. Uma “etiqueta contra os mais pobres”, assim lhe chamou Francisco Louçã.

PSD e CDS já elegeram o alvo a abater. Não é a alta burguesia rentista e parasitária. Com toda a certeza que não. Não é a alta corrupção financeira. Pois claro.

São as cerca de 138.631 famílias que, em Março de 2011, recebiam por média, à cabeça, 88,15€ (no primeiro semestre de 2010 a média era de 93€).

Famílias estas que são, em grande parte, constituídas por crianças e jovens. No primeiro semestre de 2010, do qual data o último relatório da Comissão Nacional do Rendimento Social de Inserção, 40% dos beneficiários do RSI tinha idade igual ou menor a 18 anos. Cerca de 30% dos beneficiários possuía, nesse mesmo período, outros rendimentos: salários e pensões de miséria, prestações de desemprego que não chegam para sobreviver, quanto mais para viver.

Estes sim, são o alvo da direita. Aqueles que o PSD e CDS consideram que precisam de ser moralizados, estigmatizados, eleitos como o bode expiatório da crise.

E o argumento do combate à fraude já não convence ninguém. O RSI regista a mais baixa taxa de fraude do conjunto das prestações sociais existentes. Da taxa de fraude do RSI, e segundo o relatório relativo ao primeiro semestre de 2010, apenas 2% será resultado de falsas declarações. O Rendimento Social de Inserção é das prestações mais fiscalizadas, estando previsto, inclusive, o levantamento do sigilo bancário dos beneficiários e a fiscalização semestral dos processos.

Aquilo que o PSD e CDS pretendem, e que não têm coragem de assumir, porque não é politicamente correcto, é extinguir a transferência com maior impacto na redução da pobreza extrema.

Porque a direita, apesar das suas declarações de intenções vazias e demagógicas, não reconhece que a pobreza é uma grave negação dos direitos humanos fundamentais e das condições necessárias ao exercício da cidadania, e que o combate à pobreza e à exclusão social deve ser uma prioridade inequívoca da democracia.

Sobre o/a autor(a)

Socióloga do Trabalho, especialista em Direito do Trabalho. Mestranda em História Contemporânea.
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