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A difícil relação do PS com o fim das propinas

A proposta de Orçamento do Estado para o Ensino Superior representa um retrocesso sobre um conjunto de medidas que haviam sido conseguidas nos últimos anos.Pelo terceiro ano consecutivo, o PS não coloca na sua proposta de OE uma nova descida das propinas.

A proposta de Orçamento do Estado deste ano para o Ensino Superior representa um retrocesso sobre um conjunto de medidas que haviam sido conseguidas nos últimos anos. O alerta está lançado. A política de descida das propinas não significou um novo caminho ao qual o PS decidiu juntar-se, durante a Geringonça. Pelo terceiro ano consecutivo, o Partido Socialista não coloca na sua proposta de Orçamento do Estado uma nova descida das propinas.

Apesar de haver quem no partido do Governo faça de conta que festeja coisa nenhuma, sabemos bem que foi esta nova maioria absoluta quem veio enterrar de vez a hipótese de existirem maiorias no Parlamento para prosseguir esse trajeto nos próximos anos. O que foi conseguido pelo Bloco de Esquerda nas negociações desses orçamentos (2018 e 2019) é, hoje, um intervalo nas políticas públicas para o setor. E, no seio das escolhas do PS, talvez um erro a não repetir.(e pode ser mais útil do que uma falsa esperança na chegada de uma nova ministra).

A desistência de imprimir no Ensino Superior uma visão de fim das propinas não é mais do que uma insistência no longo caminho de liberalização deste setor que nem a política de reforço dos mecanismos de ação social trava tem capacidade de estagnar. Mesmo a proposta do Governo que incide sobre o aumento do valor da bolsa de mestrado mantém um problema estrutural. Sem um combate à liberalização do valor da propina nestes ciclos de estudos, podemos continuar a aumentar as bolsas mas os mais ricos continuarão a ser os únicos capazes de pagar os atuais valores que as instituições praticam.

Enquanto a filosofia for a liberalização deste serviço público e esperar que o Estado resolva com umas migalhas na ação social, o que o PS está a construir é uma miragem de apoios, uma ideia mal conseguida de Estado Social. Continuamos na cauda da Europa no que toca a diplomados entre a população ativa e a crise que se avizinha não vai ajudar a combater esse flagelo.

A taxa de inflação registada em março deste ano foi a mais alta desde julho de 1994 (5,3%). Para quem vive do seu salário, a vida vai ficar mais cara e difícil. Isso inclui o esforço de milhares de famílias com filhos no Ensino Superior, um peso maior sobre trabalhadores-estudantes, aumento dos custos com o alojamento, a alimentação, os transportes e material de estudo. Mas, ao mesmo tempo que é exigido um esforço brutal aos mais pobres sem reforço de medidas de apoio por parte do Estado, as maiores empresas portuguesas distribuem os seus 2,5 mil milhões de euros relativos a lucros de 2021 pelos seus acionistas - um valor record nos últimos anos.

Qualquer ideal de justiça social obrigar-nos-á a reclamar que não podem ser sempre os mesmos a pagar a inflação, ou seja, a crise. Nesta nova fase da vida política nacional, trazemos connosco as lutas coletivas em defesa de um Ensino Superior para todos, com a urgência de terminar de uma vez por todas com esta ideia do tempo da outra senhora em que estudar era privilégio de meia dúzia.

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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