Diem25: um projeto reformista

porRicardo Cabral Fernandes

24 de março 2016 - 9:24
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Não é raro o nascimento de novos movimentos e partidos, principalmente após cisões ou fortes derrotas. No entanto, não é comum aparecerem organizações políticas pan-europeias, principalmente com o objetivo de se democratizar a União Europeia (UE).

Muitas das críticas, tanto à esquerda como à direita, ao novo movimento pan-europeu, Diem25, têm-se baseado nos interesses políticos e até na personalidade de Yannis Varoufakis, a figura, indubitavelmente, mais mediática do movimento, relegando a análise do programa, organização e objetivos do movimento para um segundo ou terceiro plano. O fundamental torna-se secundário. É impossível um movimento que se apresente como tal sobreviver, e aplicar o seu programa, baseado em apenas uma personalidade. É verdade que todos os movimentos e partidos possuem indivíduos com mais mediatismo e carisma, mas reduzi-lo a uma pessoa é um erro crasso e uma desvalorização de todos os restantes ativistas e/ou militantes. Um movimento que queira ser considerado como tal deve ter uma forte base ativista e dinâmica, bem como possuir uma intensa ligação com a sociedade e com quem diz defender. E isto não se alcança baseado apenas num indivíduo, independentemente do seu mediatismo e carisma. É um trabalho coletivo, não individual.

As críticas exclusivamente baseadas em Varoufakis têm como objetivo a descredibilização do movimento, não contribuindo para o fundamental debate estratégico da relação entre a esquerda anticapitalista e a União Europeia (UE). Da parte da direita já seria de esperar, mas a esquerda não se pode dar ao luxo de o fazer, de cometer esse erro crasso. A sua crítica deve-se basear no programa político e na organização do movimento, e não em Varoufakis. Só assim poderemos retirar as devidas lições que melhor possam orientar a luta pelo socialismo.

O objetivo principal do Diem25 é a democratização da UE até 2025, afirmando que caso contrário esta se irá desintegrar, abrindo o caminho aos nacionalismos e a uma possível luta entre os povos europeus. Defende que a UE foi uma realização excecional, juntando povos com línguas e culturas diferentes em prol de valores comuns, mas que foi capturada por uma burocracia e tecnocracia europeias, pelos ministros do obscuro Eurogrupo e por oligarquias partidárias e económicas. É importante relembrar que o projeto europeu sempre foi uma construção capitalista, com claros interesses de classe, e que mais tarde se neoliberalizou, adaptando as suas políticas à ideologia do capitalismo selvagem. É verdade que a construção da UE pode ter evitado novas guerras na Europa Ocidental, mas tal discurso, propagado pelos "europeístas convictos" até à exaustão, serve apenas para camuflar os interesses de classe por detrás da sua construção. A exclusão de uma nova guerra europeia depende de inúmeros fatores e a construção europeia não é de certeza o único a ter em conta.

O objetivo da construção da UE sempre foi o da integração económica com a livre circulação de pessoas, bens e capitais, beneficiando sempre a classe capitalista e permitindo, mais tarde, a crescente financeirização da economia. À classe trabalhadora o projeto europeu foi vendido como a construção de melhores condições de vida. Para tal a social-democracia europeia defendeu a europeização do consenso do Estado Social entre o capital e o trabalho, mas rapidamente o primeiro sobrepôs-se ao segundo. Não podia ser de outra forma tendo em conta os desenvolvimentos internacionais, principalmente depois da implosão da União Soviética. A UE é um instrumento às mãos da burguesia europeia para impor a baixa do custo do fator trabalho no processo produtivo, para impor o custo da crise económico-financeira à classe trabalhadora, para impor a austeridade permanente.

Acresce a estes factos a questão do projeto europeu nunca ter sido uma construção democrática. Raramente os povos europeus foram democraticamente consultados sobre o seu aprofundamento. Em Portugal, por exemplo, nunca se realizou um referendo sobre a participação portuguesa, ao invés, defendeu-se exaustivamente a existência de um consenso generalizado na sociedade portuguesa para se fugir ao referendo. Hoje, o discurso do medo domina a discussão sobre a manutenção ou saída portuguesa, mas não só, da zona euro e até da UE. Do consenso passámos para o medo, e há que rompê-lo. O Parlamento Europeu é eleito democraticamente, mas as decisões da instituição não são vinculativas na maioria das questões. O presidente da Comissão Europeia é "eleito" à revelia da vontade popular dos povos europeus, sendo escolhido através de jogos de poder de bastidores. A troika, que destruiu milhares de vidas, não respondeu, nem responde, democraticamente perante ninguém. O défice democrático está presente na História e no dia-a-dia do projeto europeu. Até a própria democracia-liberal é, hoje, uma ameaça para os interesses da classe dominante e para a acumulação de capital.

Se a UE sempre foi um projeto com o objetivo de defender os interesses da classe dominante e construído à revelia dos povos europeus, como se pode democratizar? Aí chegamos à estratégia e à organização do Diem25. Este pode ter definido objetivos, mas como fará para os alcançar? Essa é - a par do seu programa - a grande questão que se coloca. O Diem25 pretende ser um fórum de discussão ou um partido-movimento? Se pretender ser o primeiro, então ajudará a colocar, e bem, a discussão sobre a UE ainda mais na ordem do dia, acentuando o internacionalismo e o debate sobre a construção europeia. Mas se decidir ser o segundo, então como o fará? Irá criar secções nacionais do movimento em cada Estado-membro disputando as eleições nacionais e as europeias? Irá ajudar a criar movimentos sociais internacionais que coloquem em causa e que conquistem espaço político para quem verdadeiramente interessa? Não, não pretende ser nem um nem outro. Ao invés, deseja, daqui a dois anos, realizar uma "Assembleia Constituinte formada por representantes eleitos na base de listas transnacionais". O objetivo desta Assembleia será a redação de uma "futura constituição democrática que substitua todos os tratados europeus existentes dentro de uma década". Voltamos ao institucionalismo e ao constitucionalismo, à tentativa tosca de criação de uma dualidade de poder sem a existência de uma crise revolucionária. A criação de uma Assembleia Constituinte pan-europeia será um evento bonito, mas não terá qualquer base legal no Direito Europeu, ou seja, não terá vinculação legal, não alterará as instituições europeias. A classe dominante sentar-se-à a assistir confortavelmente sem a temer.

O Diem25 coloca, e bem, na ordem do dia um princípio fundamental para a Esquerda europeia: o internacionalismo. As lutas exclusivamente nacionais já demonstraram que estão destinadas a falhar, principalmente num contexto de integração europeia e de globalização. O internacionalismo institucional, como o do GUE/NGL no Parlamento Europeu, é importante mas não é de todo suficiente para combater os interesses da classe capitalista. É fundamental um internacionalismo de rua, de movimentos sociais, de troca de experiências de base. Estes dois internacionalismos não se auto-excluem, ao invés, complementam-se dialeticamente, elevam em conjunto a voz da rua europeia e intensificam a luta de classes.

O Diem25 coloca também na ordem do dia, mesmo com todas as críticas ao seu programa, a necessidade de um programa político internacional adaptado às especificidades nacionais. A simples partilha de valores comuns já não é suficiente para a esquerda agir concertadamente neste momento. É essencial ir mais além e preparar conjunta e democraticamente, de baixo para cima, um programa internacional de rompimento com a zona euro e até com a União Europeia, um programa anticapitalista que coloque a tónica nos interesses dos trabalhadores.

O Diem25 demonstrará, mais uma vez, que o projeto europeu é irreformável. A classe capitalista nunca abdicará pacificamente do poder, do seu principal instrumento supranacional de classe, em prol dos trabalhadores. Tentará a todo e a qualquer momento sufocar as legítimas reivindicações de quem trabalha, tal como fez contra o Governo grego e faz diariamente contra todos os Governos que tentam romper - nem que seja minimamente - com o consenso neoliberal e austeritário que reina na União Europeia. O Diem25 será o último sopro reformista da Esquerda europeia. Esta deve retirar todas as lições possíveis da experiência do movimento e ter a coragem de começar a trabalhar numa verdadeira alternativa que rompa com a UE: um plano de saída. E isso não se faz do topo para a base, mas da base para o topo. E o internacionalismo será primordial. Sem ele falharemos. E a atual situação não o permite.

Ricardo Cabral Fernandes
Sobre o/a autor(a)

Ricardo Cabral Fernandes

Mestrando em Ciência Política
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