Está aqui
A desilusão espanhola
As sondagens enganadas mais uma vez, mas isso não é justificação para nada. A repetição das eleições espanholas desanimou muitas pessoas e a dificuldade de ver uma alternativa imediata não mobilizou outras, portanto mais abstenção, mas os resultados impõem-se e não pode haver dúvidas: o impasse continua mas a direita recuperou capacidade de iniciativa.
Recapitulando: o PP de Rajoy sobe para 33% e ganha mais 14 deputados (137 no total), se compararmos com as eleições de Dezembro. O problema é que, como em Dezembro, descamba da sua maioria absoluta anterior e não lhe é fácil formar governo, já lá irei. O PSOE consegue o simbólico segundo lugar com 22,7% (mas tem menos 5 deputados do que o mau resultado de dezembro), superando o Unidos Podemos (com 21% e os mesmos 71 lugares da soma do Podemos com a Esquerda Unida, mas perde 1,2 milhões de votos), o que era uma disputa importante. O Ciudadanos, partido liberal de direita, baixa para 13%.
A força emergente da esquerda, o Podemos, teve um percurso difícil neste meio ano. Os seus dois principais dirigentes, Iglesias e Iñigo, entraram em guerra e isso teve, como seria de esperar, um impacto desastroso entre os militantes, apoiantes e eleitores. Tiveram depois a ousadia de fazer uma ponte com a Izquierda Unida, o movimento criado há décadas pelo Partido Comunista, e a iniciativa criou muita esperança e recuperou a sua capacidade eleitoral, como se viu nas sondagens imediatas, mas não resolveu todas as dificuldades: a IU tinha tido 900 mil votos e dois deputados, mas alguns dirigentes históricos opuseram-se à nova coligação e sabia-se que uma parte do seu eleitorado não queria apoiá-la. Quanto ao Podemos, é um partido muito recente e que ainda não tem o mínimo de estrutura consolidada na sociedade, embora represente uma aspiração e um protesto - ter mais de um quinto do eleitorado em dois anos é uma obra notável. Ainda mais, mesmo com as perdas atuais, o Podemos é no entanto o primeiro partido em Barcelona e numa parte do País Basco, além de já ter arrancado vitórias municipais em Madrid e Barcelona, um caminho impressionante.
Em todo o caso e em consequência dos resultados, tanto no Podemos como na IU a velha maldição da esquerda pode renascer e multiplicar tensões e confrontos internos no ajuste de contas sobre os resultados. Disso saberemos em poucos dias.
No PSOE a única dúvida é se Pedro Sanchez será questionado pela parte do partido que, sendo a mais acossada por acusações de corrupção, parece disposta a um conflito de liderança. O que é certo é que o partido só tinha más opções: ou uma aliança à esquerda, que não faz parte da sua tradição e que implicaria cedências à Catalunha, ou o apoio a Rajoy, o que parece difícil - mas não há impossíveis nesta forma de política. Sem arriscar previsões, por ora chegou uma previsão britânica demonstrada errada, sempre adianto a constatação de que o PSOE não rejeita o caminho da abstenção para permitir a continuação do governo de direita.
Tudo péssimo para Portugal e para a Europa. Precisávamos de ter aqui ao lado um governo que fugisse à doutrina da austeridade e ao autoritarismo europeu da direita mais rebarbativa, mas é essa direita que podemos vir a ter a governar em Madrid. Precisávamos de uma esquerda que reforçasse o movimento pela reestruturação das dívidas e pela luta pelo emprego, ainda não é desta.
Artigo publicado em blogues.publico.pt a 27 de junho de 2016
Comentários
Bom dia,
Bom dia,
leio habitualmente estes artigos de opinião e regra geral aprecio em larga medida os temas abordados e as opiniões emitidas, contudo neste particular permitam-me por favor mostrar o meu desacordo para com este artigo em particular.
Creio que os motivos que estão na origem dos resultados das eleições em Espanha não são tão simplistas e merecem um grau de análise maior do que aquele que foi aqui exposto.
Em primeiro lugar é certo que o resultado defraudou (infelizmente) as expectativas dos votantes do Unidos Podemos contudo não devemos nunca esquecer que exceptuando estas eleições e as eleições de 2015, temos de recuar muitos anos para encontrar em Espanha um partido capaz de quebrar a hegemonia bipartidária vigente, o que em minha opinião deve ser sempre referido como algo muito meritório e importante.
Quanto ao conteúdo V/ artigo, permitam-me efectuar alguns reparos:
# “Iglesias e Iñigo, entraram em guerra e isso teve, como seria de esperar, um impacto desastroso entre os militantes, apoiantes e eleitores.” – este foi um dado lançado pela PRISA, meio de comunicação cujo grau de independência é questionável, que foi desmentido pelos próprios e posteriormente apenas foi utilizado por meios sensacionalistas como arma de arremesso para fazer campanha negativa.
Acredito mesmo que dificilmente encontraremos declarações publicas de Iñigo e/ou Iglesias onde estejam presentes conteúdos dessa natureza.
#“alguns dirigentes históricos opuseram-se à nova coligação e sabia-se que uma parte do seu eleitorado não queria apoiá-la” – confesso surpresa neste comentário, uma vez que segundo tive oportunidade de ver parece-me ter existido uma confluência generalizadas dos militantes de ambos partidos.
Não me recordo que durante a campanha nem Podemos nem IU tenham tido uma mensagem de possíveis confrontos internos (pelo menos publicamente) capaz de gerar tensões entre as duas forças de esquerda. Antes pelo contrário a mensagem pareceu-me bastante alinhada e enquadrada com o grande objectivo da coligação: derrotar o PP.
# Por último, é um preciosismo contudo não deixo de o apontar quando se referem a “numa parte do País Basco” devem notar que a coligação unidos podemos foi a força mais votada em todas as províncias do País Basco.
Fica claro, pelo menos para mim, a mesma sensação no que a Portugal diz respeito o sentimento de pesar por não
conseguir lograr ter em Espanha um governo distinto com outra matriz politica.
Com estima, Obrigado.
Adicionar novo comentário