A definhar desde que a ilusão das autárquicas em Lisboa iluminou Assunção Cristas para a hipótese de poder vir a ser primeira-ministra, o CDS foi confrontado com a gestão das mais baixas expectativas desde que se transformou num centro cirúrgico de viabilização do poder.
Os resultados das últimas legislativas conferiram-lhe um toque de dramatismo e de impossibilidade: já nada podia voltar a ser como dantes, os barões foram assinalados a ferro e fogo pelos novos conservadores do partido. Ei-los, mais jovens e mais conservadores do que nunca, liderados por Francisco Rodrigues dos Santos, eleito presidente.
João Almeida não conseguiu ser a muralha de aço do partido. A sua indiscutível perseverança permitiu corporizar os últimos suspiros de quase todos aqueles que lideraram o CDS até à sua pré-extinção, tal como o conhecemos. Dizer que o partido faz uma pausa é, agora, meiguice. Assumidamente com um novo rumo e a criar um movimento de aceleração à Direita, o palco é agora daqueles que foram germinando e crescendo internamente, sem que tocassem campainhas. A porta abriu e sentaram-se. "Cabem todos", assegura Chicão. No momento em que Abel Matos Santos desiste da sua candidatura para apoiar Francisco Rodrigues dos Santos, ficou claro que a encenação de oposição ia a núpcias e boda para a Comissão Executiva. Lamentavelmente, o CDS não foi tomado de assalto. Foi a complacência que permitiu que gente como esta crescesse. O partido-barreira dos extremismos falhou. Por dentro.
Há uma discussão em aberto para o maior reacionário de serviço, sendo que entre André Ventura e Abel Matos Santos, a doutrina divide-se. Aposto em Abel. Se para o primeiro já se apontaram todos os holofotes e saudações nazis em comício (shame on you, Hard-Club), é em relação ao segundo que meio mundo acorda boquiaberto como se as suas declarações anti-semitas sobre o Holocausto e Aristides de Sousa Mendes, contra o 25 de Abril ou de homenagem a Salazar e à PIDE não fossem sobejamente conhecidas. Sobre elas, aliás, aqui escrevi em 2017. Três anos depois, ainda há quem se espante. E, felizmente, há quem reaja.
O racismo calculista e evidente com que o líder do Chega brindou Joacine não deixa margem para outra solução: é urgente deportar André Ventura para Passos Coelho. O processo de convivência, desvalorização e normalização em democracia, está bem espelhado na criação do fascismo do Vox em Espanha. Aqui não foi diferente. A exemplar atitude de todos os grupos parlamentares, associando-se às críticas que Ferro Rodrigues dirigiu a Ventura, mostra que ainda há tempo. Cordão sanitário. É legítimo equacionar o que aconteceria caso o actual grupo parlamentar do CDS não fosse apenas o que do partido resta. É que é impossível: ele fez-se por dentro e está lá. Não é possível deportar Abel para o sítio de onde veio.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 31 de janeiro de 2020
