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A democracia e a rua

Amargurada com o chumbo do modelo de avaliação docente, Isabel Alçada desabafou que a democracia não se faz na rua. Felizmente, foi graças à rua que a democracia venceu e é já no próximo sábado que a rua é outra vez palco da democracia.

Reagindo à votação parlamentar da passada semana que ditou o enterro do modelo de avaliação que incendiou as escolas, a Ministra da Educação insultou as manifestações e a própria democracia quando se referiu ao último protesto dos professores realizado a 12 de Março (link para o vídeo, ver a partir do minuto 2). Daqui se retiram duas importantes lições:

A primeira lição é que foi mesmo a rua que ditou o fim deste modelo de avaliação dos professores. A Ministra tanto o sabe que o desabafou em directo para a Televisão. Não fossem as manifestações gigantes de Março de 2008 (100 mil docentes), de Novembro de 2008 (150 mil) e de Maio de 2009 (50 mil), acompanhadas das greves, dos boicotes e das tomadas de posição de centenas de escolas pelo país afora, não fosse este caudal de rua e de protesto, este modelo de avaliação não teria ido à vida. Até a última acção dos professores - o plenário que encheu o Campo Pequeno e terminou na Avenida 5 de Outubro - não tendo sido tão expressivo como as manifestações anteriores, foi crucial para manter a pressão sobre um modelo de avaliação burocrático, injusto, competitivo e desestabilizador.

E ainda bem que o parlamento seguiu a vontade da rua. O PSD apenas por oportunismo político e eleitoralismo, pois a sua posição sempre foi meramente tática. Antes das últimas eleições legislativas votou pela suspensão mas estranhamente faltaram deputados à última da hora, depois das eleições votou contra a suspensão em nome do horror ao vazio. Agora que vêm aí eleições e elas podem ser ganhas, toca a jogar a cartada toda. O PS teria feito o mesmo se fosse oposição e se este modelo de avaliação fosse do PSD.

Recordemos a primeira lição: felizmente a rua contribui e contribuirá para determinar as escolhas políticas. A vitória contra a divisão da carreira docente, e agora a vitória contra este modelo de avaliação, que são vitórias de toda a escola pública, só foram possíveis porque houve muita gente que veio muitas vezes para a rua gritar. Afinal, as manifestações fazem parte da democracia e além disso valem a pena. Valem tanto a pena que passados dois ou três anos ainda conseguem mudar as coisas. Convém pois estender esta lição a muitos professores que, já descrentes e derrotados, reagiam com um seco “para quê?” aquando da mobilização para o Campo Pequeno.

A segunda lição a retirar das palavras da Ministra é que o PS, cada vez mais igual à Direita, convive cada vez pior com as manifestações, a rua e a vontade popular. Poder-se-ia pensar que essa era uma característica pessoal de Maria de Lurdes Rodrigues, mas se o apoio de todo o Governo à sua dama de ferro se encarregou de o desmentir, é agora Isabel Alçada – a dama doce e simpática - que o confirma. “A democracia não se faz na rua” é uma afirmação própria de governantes do antigo regime e não de uma Ministra da Educação da era democrática. Precisará a Ministra de frequentar uma disciplina de “Educação para a Cidadania” ou “Formação Cívica” ou quer mesmo mudar-lhe os programas? Felizmente as manifestações não só enriqueceram a democracia como contribuíram para mais pedagogia na escola e menos burocracia, ao contrário dos vídeos patéticos de Isabel Alçada sobre o esforço, o empenho e o pequeno-almoço.

Finalmente, congratulemo-nos com este novo fôlego da palavra manifestação. Cai em desuso o conservadorismo mesquinho e o derrotismo paralisante contra o protesto de rua. Que o digam as centenas de milhares à rasca que a 12 de Março encheram o país, ou as massas que irrompem no Egipto, na Síria ou no Iémen.

E porque a escola é muito mais do que avaliação, lá estaremos outra vez no próximo Sábado, dia 2 de Abril. Na rua, esse lugar cativo da democracia.

Sobre o/a autor(a)

Professor.
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