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Deixar morrer é matar
Ameer Mehtr preparou-se durante sete meses, treinando todos os dias no mar da costa libanesa. Sem dinheiro para nada, o objetivo era só um: chegar à Europa a nado, o único meio que estava ao seu alcance. Ali mesmo, nas águas que banham Beirute, fez a sua preparação ao longo de todo esse tempo. Até arriscar tudo para viver no velho continente.
Depois de regatearem quotas, os países europeus comprometeram-se com o acolhimento de 160 mil pessoas – um número que era apenas uma pequena gota de água na atual vaga de exilados, a maior desde a Segunda Guerra Mundial. Ao fim destes meses receberam 266. É pura e simplesmente grotesco
No dia em que achou que estava pronto, Ameer pediu à família que o levasse até Guzelcamli. A 6 quilómetros e meio de mar de Samos, na Grécia, aquela é a cidade da Turquia mais próxima para chegar à Europa. Em Guzelcamli teve de fugir durante uma hora à polícia. Quando se fez ao mar sozinho, com algumas tâmaras para comer, um telefone e uma pen com fotografias da família, já estava cansado da fuga, mas não tinha outra hipótese se não começar a nadar para não ser apanhado. Assim fez durante sete horas sem parar.
Este ano, soube-se anteontem, a União Europeia acolheu um total de 266 refugiados. Sim: 266. Ao mesmo tempo, acrescentava a Comissão Europeia, foram repatriadas 683 pessoas. Depois de regatearem quotas, os países europeus comprometeram-se com o acolhimento de 160 mil pessoas – um número que era apenas uma pequena gota de água na atual vaga de exilados, a maior desde a Segunda Guerra Mundial. Ao fim destes meses receberam 266. É pura e simplesmente grotesco. No Líbano, país com o tamanho de dois Algarves e onde Ameer vivia desde maio, há dois milhões de refugiados. No total, já foram ali acolhidos quase 6 mil vezes mais sírios fugidos à guerra do que em todas as nações europeias juntas.
É também esta a nossa vergonha. Por estes dias, dirigentes europeu fazem mensagens de Natal onde falam do amor ao próximo, mas continuam a tratar alguns como se fossem lixo que nos aparece nas fronteiras. A mesma Comissão que chora as vítimas do terrorismo nos países europeus, rejeita o embargo à venda de armas ou à compra de petróleo vindo do Daesh. Algo de muito errado se passa na Europa da austeridade, quando não há meios para acolher quem arrisca tudo para sobreviver, quando se proíbe o investimento na saúde com o pretexto do défice, mas se arranja sempre dinheiro para que os países e os governos resgatem bancos privados.
“Em cada segundo da viagem pensei que ia morrer”, contava Ameer a um jornal inglês. Ao contrário de outros, não morreu e o seu corpo não se somou aos cadáveres que fazem hoje do Mediterrâneo uma imensa vala comum. Também por isso, esta história é um daqueles extraordinários milagres que acontecem mesmo e que nos fazem respirar fundo. Mas não nos faltam noticias de tragédias, dentro e fora de portas, todos os dias. Tanto maiores quanto podiam ser evitadas caso se fizessem outras escolhas, caso houvesse outro cuidado ou prioridades diferentes. Todos sabemos outros nomes. Afinal, cá e lá, quantos deixamos morrer todos os dias?
Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 25 de dezembro de 2015
Comentários
Senhor Deputado José Soeiro
Senhor Deputado José Soeiro
Como deputado do BE, queria na sua pessoa cumprimentar o BE pelos requerimentos ao anterior Ministério da Saúde sobre a questão da urgência do Hosp. S. José, bem toda a preocupação demonstrada sobre este assunto.
Porém, há uma situação que não entendo que é a seguinte:
- O BE conhecia o problema há bastante tempo, e neste tempo que tem influência governativa teve tempo para extinguir os exames do 1º Ciclo. Teve tempo para reverter o diploma que determinava o pagamento de taxas moderadoras às mulheres que pretendiam interromper a gravidez. Teve tempo para aprovar a lei de adopção de crianças por pessoas do mesmo sexo. Teve tempo para muito mais coisas. NÃO TEVE TEMPO para obrigar o actual Ministério da saúde a dar os "TRINTA DINHEIROS" aos "peseteiros" e mercenários que receberam tudo do Estado. Receberam formação. Receberam condições para obtenção de experiência. Receberam pleno emprego. O BE, já que não se preocupou a repor os 30 dinheiros, será que quem fez o juramento de Hipocrates não são uns grandes hipócritas?. Será que o BE não está a ser hipócrita?
Melhores cumprimentos
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