De Cabul ao Cairo, continuam os assassinatos e as detenções de jornalistas

porAmy Goodman

19 de abril 2014 - 22:33
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O jornalismo não é um delito. Segundo informa o Comité para a Proteção dos Jornalistas, desde 1992 foram assassinados no mundo 1.054 jornalistas.

O jornalismo não é um delito. Este é o lema central da campanha pela libertação dos quatro jornalistas da cadeia Al-Jazeera que se encontram encarcerados no Egito. Três deles, Peter Greste, Mohamed Fahmy e Baher Mohamed, acabam de cumprir cem dias de reclusão. O quarto, Abdullah al-Shami, encontra-se enclausurado desde há mais de seis meses. Acusam-nos de “difundir mentiras que atentam contra a segurança do Estado e de integrar uma organização terrorista”. Naturalmente, a única coisa que faziam era cumprir com o seu trabalho.

O jornalismo não é um delito – é o lema central da campanha pela libertação dos quatro jornalistas da cadeia Al-Jazeera que se encontram encarcerados no Egito

Anja Niedringhaus também estava a fazer o seu trabalho como fotógrafa para a agência de notícias Associated Press (AP) quando foi assassinada na semana passada em Khost, Afeganistão. Cobria os preparativos para as eleições nacionais no Afeganistão e estava sentada no seu automóvel com a repórter da AP Kathy Gannon, quando um agente de polícia afegão abriu fogo, causou a morte a Niedringhaus e feriu Gannon.

O trabalho de Niedringhaus captou a brutalidade da guerra e a esperança da humanidade. Começou a sua carreira em adolescente, tirando fotografias da queda do Muro de Berlim na sua Alemanha natal. Depois trabalhou para a agência European Pressphoto Agency, para quem fez a cobertura da Guerra dos Balcãs, a repercussão aos ataques do 11 de setembro de 2001 na cidade de Nova York e mais tarde, a invasão e ocupação do Afeganistão. Em 2002, começou a trabalhar para a AP, para quem realizou coberturas sobre os conflitos no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão, bem como de importantes eventos desportivos internacionais como o Campeonato Mundial de Futebol e Wimbledon. Ao percorrer as imagens que nos deixou, fica-se tocado pela valentia, pelo talento e pela habilidade para captar e transmitir um instante, carregado com todo o peso da história.

Anja Niedringhaus também estava a fazer o seu trabalho como fotógrafa para a agência de notícias Associated Press (AP) quando foi assassinada na semana passada em Khost, Afeganistão

Anja Niedringhaus é uma dos muitos jornalistas assassinados no desempenho de um serviço público essencial: o jornalismo.

A jornalista russa Anna Politkovskaya escreveu no ano 2003: “Vale a pena morrer pelo jornalismo?" Informava a respeito da tentativa de assassinato de um colega do jornal independente Novaya Gazeta. Politkovskaya redigiu:“Se o preço da verdade é tão alto, talvez simplesmente devêssemos parar e encontrar uma profissão com menos risco a passar por situações ‘muito desagradáveis’. Que importaria à sociedade, para quem fazemos este trabalho?” Politkovskaya respondeu à sua pergunta retórica com factos. Continuou a informar sobre o poder na Rússia, especialmente em relação à presidência de Vladimir Putin. Foi assassinada três anos depois, a 7 de outubro de 2006. O seu assassinato teve a marca de um assassinato por encomenda, tal como aconteceu nos assassinatos de outros jornalistas na Rússia.

O assassinato de Anna Politkovskaya teve a marca de um assassinato por encomenda, tal como aconteceu nos assassinatos de outros jornalistas na Rússia

Nem a morte nem a prisão deveriam ser o castigo por informar. O Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ, na sigla em inglês) elabora estatísticas e organiza campanhas para defender jornalistas ameaçados, libertar quem se encontra na prisão e exigir justiça para os jornalistas assassinados. Presta assistência direta a jornalistas que enfrentam ameaças iminentes, o que inclui assistência médica e jurídica, assim como a transferência para zonas seguras. Segundo informa o CPJ, desde 1992 foram assassinados no mundo 1.054 jornalistas.

Esta semana comemora-se também o aniversário das violentas mortes de dois jornalistas no Iraque, José Couso, do canal de televisão espanhol Telecinco, e Taras Protsyuk, operador de câmara ucraniano que trabalhava para a Reuters. A 8 de abril de 2003, estavam a filmar a invasão de Bagdade pelos Estados Unidos a partir do Hotel Palestina, conhecido por ser o lugar em que se hospedavam os correspondentes da imprensa de todo o mundo. Um tanque de guerra dos Estados Unidos disparou contra o hotel, assassinando os dois jornalistas e causando feridas a outros.

Sabe-se quem eram os membros do Exército dos Estados Unidos que operavam o tanque que matou Couso e Protsyuk, mas os Estados Unidos não cooperaram com as tentativas que se fizeram em Espanha de os processar

Quando o então primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar, que apoiava a invasão, falou à imprensa espanhola no Parlamento, os jornalistas baixaram as câmaras, desligaram os microfones e viraram-lhe as costas em sinal de protesto pela morte do seu colega. Tempos depois, manifestantes obstruíram a interseção de ruas em que se encontra a embaixada norte-americana em Madrid ao grito de “Assassinos! Assassinos!” Sabe-se quem eram os membros do Exército dos Estados Unidos que operavam o tanque que matou Couso e Protsyuk, mas os Estados Unidos não cooperaram com as tentativas que se fizeram em Espanha de os processar. Esta semana, como em todos os anos no aniversário da morte de Couso, a sua família e simpatizantes manifestaram-se em frente à embaixada dos Estados Unidos.

Disparar contra o mensageiro é um crime de guerra

Em 2011, Anja Niedringhaus escreveu no jornal New York Times: “Não creio que os conflitos tenham mudado desde os ataques do 11 de setembro de 2001, para além de se terem tornado mais frequentes e prolongados, mas a essência do conflito é a mesma, há duas partes que lutam por território, poder ou ideologias. E no meio está a população que sofre". Os jornalistas estão ali para dar conta desse sofrimento. Disparar contra o mensageiro é um crime de guerra.

Artigo publicado em Truthdig em 9 de abril de 2014. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Tradução para português de Carlos Santos para Esquerda.net

Amy Goodman
Sobre o/a autor(a)

Amy Goodman

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
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