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Cumprir Abril na Academia

É muito comum pensar-se em Abril como uma obra completa. A realidade no entanto não é tão simples, e espelha-se muito na forma como o ensino funciona no nosso país.

É muito comum pensar-se em Abril como uma obra completa, como o ponto alto da vida de uma geração que viveu a ditadura, a derrotou e fez nascer a democracia, que reza a lenda mudou tudo em Portugal e para todos. A realidade no entanto não é tão simples, e espelha-se muito na forma como o ensino funciona no nosso país.

A academia sempre foi um ponto de contestação e resistência ao regime fascista, foi assim na crise académica de 1961 e também em 1969, nesta última os alunos que fizeram greve aos exames foram castigados com o chumbo. Uma vez chumbados não eram mais estudantes e tinham que cumprir o serviço militar, partiram então para África e uma grande parte deles nunca voltaram, pagaram com a sua vida o esforço por uma Academia e por um Portugal livre e democrático. Quando chega então a madrugada que esperávamos e nos erguemos como seres livres, as esperanças de mudanças radicais são enormes! Essas mudanças acontecem e abanam todo o país: acaba a guerra, congelam-se as rendas a nível nacional, grandes avanços são feitos na educação e saúde pública, na legislação laboral e, finalmente, a tropa sai das universidades e abre-se um espaço para intenso debate e politização dentro destas, algo que já existia antes da revolução mas agora podia ser feito sem medo nem represálias.

E que academia sonhou essa geração de estudantes? Será que se estudassem hoje numa faculdade ou politécnico sentiriam que se cumpriu tudo aquilo pelo qual lutaram? Apesar de terem havido conquistas - e elas foram várias - se hoje examinarmos as estruturas e relações de poder dentro de um local de Ensino Superior em Portugal e fizermos a pergunta "isto poderia ser mais livre, igualitário e democrático?" a nossa resposta seria sempre "sim!", e, portanto, urge agir para mudar isso.

A gestão das faculdades está montada de uma forma profundamente elitista e que afasta a participação dos estudantes, desde a aplicação do RJIES nos conselhos gerais, órgão maior das universidades e politécnicos, os alunos constituem somente entre 15% a 20% dos lugares, sendo que são ultrapassados em número de representantes pelas "figuras externas" que na sua grande maioria não passam de representantes do grande capital cujos interesses são profundamente opostos aos dos estudantes, como por exemplo na questão dos estágios não remunerados. Nem a gestão da academia é democrática nem a própria adesão a esta o é. Depois de décadas de ensino gratuito nascem em 1992 pelas mãos do governo de Cavaco Silva as propinas. Inicialmente tinham um valor quase simbólico de 6.5€ mas hoje estão já nos 697€ e só desceram dos mais de mil euros que eram há uns anos por pressão e força da esquerda parlamentar, que manifestou dentro do poder a pressão que já vinha das ruas e de décadas de ativismo e militância dos estudantes de Portugal. Para além da dificuldade financeira que é o custo da propina para muitas famílias adicionam-se os preços da habitação no espaço urbano e ausência de residências estudantis! E por fim o preço (agora já reduzido também por pressão da esquerda) dos passes do transporte público. É importante entender que tudo isto não é por acaso, a propina é tão elevada graças ao desinvestimento constante no ensino superior feito pelos governos do bloco central, as rendas na habitação estão absolutamente fora de controlo e do acesso de um número crescente de portugueses graças ao descongelamento das rendas feito pelo governo PSD/CDS e mantido intacto na sua grande maioria pelo atual executivo PS. E tudo isto tira uma enorme fatia do rendimento das famílias (e não estamos a contar os livros e restante material!), o que leva a que famílias com rendimentos mais limitados enfrentem graves entraves no acesso dos seus filhos ao Ensino Superior.

Não foi isto que se sonhou no dia em que a poesia saiu à rua, não foi esta academia onde os estudantes não têm voz e onde se aceita por completo a mercantilização do ensino por que lutou a geração dos cravos. Também na academia falta cumprir Abril! Mas nós somos muitos, muitos mil para o fazer, e em coletivos, comissões de curso, associações de estudantes, nas conversas com amigos e na rua, em todo o lado lutamos por esse mundo e por esse Ensino Superior que nos foi roubado!

Sobre o/a autor(a)

Estudante na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 18 anos
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