Retemos o número de apóstolos somado à fé maior para uma aposta: a tentativa desastrada do Governo para penalizar os grandes festivais de verão quis levar tudo à frente. Arraiais, praças de município, coretos e igrejas, monumentos e jardins de palácios, cuidem-se! Esquinas e arrabaldes, gentes emigradas de volta à freguesia, sunsets de fim de dia, temei! Aconselham-se tapumes, argamassas e cimento, casas já feitas ou paredes meias. Desde que haja tecto, há um espectáculo com IVA a 6% onde o céu pode esperar. Meia dúzia de desculpas não chegam. Deveria haver uma razão forte para os responsáveis políticos ponderarem uma solução com acento esdrúxulo, tão irrazoável que mais parece um erro técnico de duvidosa apreciação constitucional. Tem que haver algo mais para além da simples inabilidade ou displicência.
Para além da já referida tentativa de penalização dos grandes festivais de verão em número de espectadores, persiste a típica desconsideração por um país que fica à espera. Ao apenas reduzir o IVA para 6% nos espaços ou salas fechadas, a proposta orçamental distingue o que nenhum país da Europa diferencia, discriminando - em razão do espaço - o mesmíssimo espectáculo por se realizar em locais diferentes. Máquina de terraplanagem, discriminando diferentes espectadores e agentes culturais pelo ar que respiram. Sendo o Estado detentor da maioria dos equipamentos culturais, a penalização a 13% dos espectáculos ao ar livre é ainda mais bafienta ao insuflar deslealdade na concorrência e assimetrias no território, penalizando a iniciativa cultural de quem não ostentar a pública virtude de ser funcionário do Estado. Para uma obra de ficção não vai mal. Nem o cinema, talvez por ser a 7 de diferença pela Arte, escapa à discriminação ainda que numa sala fechada. Num contexto em que o número de espectadores diminui drástica e continuadamente nas salas de cinema, sente-se que a sensibilidade do Governo mais facilmente diminuiria o IVA na subscrição do Netflix.
Quem passear pelos belíssimos jardins de Serralves, encontra espaços de grande recorte, gola e tesoura em riste. Há um labirinto que nos leva a Anish Kapoor, realidade aumentada e distorção pelo entendimento do espaço. Há o ar livre do seu "Chamador de Pássaros" de domingo, à frente do Prado. Música para os ouvidos, sem tecto nem salas onde o céu não pode esperar. Há um país assim, à espera do debate na especialidade.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 2 de novembro de 2018