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A Cultura das obras vazias

Não há, nem nunca houve, manifesta falta de interesse do povo pelos seus agentes culturais. Da cultura, em todas as suas formas, se alimenta a Humanidade. Esse é um facto que ficou ainda mais claro nestes tempos de pandemia que vivemos.

(…) Durante os debates [do orçamento regional para 2022], quando pedimos esclarecimentos acerca do Plano e Orçamento, foi ver as constantes fugas às questões que eram colocadas às e aos senhores secretários regionais.

Face aquelas que são as medidas rabiscadas para a Cultura, e apesar do pouco tempo que tinha disponível, tentei que me fossem esclarecidas, ao abrigo da verdade e do respeito que tenho pelas açorianas e pelas açorianos, que merecem mais e muito, muito melhor, algumas questões que me assombravam desde que tomei conhecimento destes documentos. A manutenção do desinvestimento sistémico neste setor da nossa sociedade.

Enderecei as minhas questões à pessoa que, supostamente está, ao comando do órgão competente em matéria de Cultura na Região Autónoma dos Açores.

Na verdade, e perante o orçamento e as respostas que (não) foram dadas, o setor da Cultura parece ter sido entregue a alguma associação amadora dos anos 80.

Perguntei-lhe qual seria o futuro do património cultural no arquipélago com estas políticas redutoras e anacrónicas pela senhora secretária regional propostas, às quais me respondeu com uma velha tática populista, digna do tempo em que o seu partido ainda se designava popular e democrata. Desconversou, chamando ao assunto questões relacionadas com os agentes culturais e com a pandemia, como quem puxa um assunto sobre cebolas, quando a pergunta era, evidentemente, sobre batatas.

Não há, nem nunca houve, manifesta falta de interesse do povo pelos seus agentes culturais. Da cultura, em todas as suas formas, se alimenta a Humanidade. Esse é um facto que ficou ainda mais claro nestes tempos de pandemia que vivemos. Mas não é disso que se trata, pois todos nós sabemos que o dinheiro que afirma não esticar, foi bem esticadinho até ao bolso do turismo e das grandes empresas da Região. Por onde lutou pela cultura que supostamente tutela? Que batalhas travou em nome da história e do património classificado destas ilhas? Aonde está a sua defesa material de todo a herança imaterial dos Açores?

Senhora Secretária, o que aqui está em causa, neste momento, é o futuro da Região. Da maneira como decidiu jogar os dados da Cultura, muito em breve ficaremos bem apetrechados de grandes edifícios arquitetonicamente talhados no betão do progresso, onde ninguém lá irá trabalhar. Há um envelhecimento e um descontentamento total, preenchido pela total ignorância dos decisores, que insistem em investir num setor privado, desconhecendo que para haver turismo cultural é preciso haver cultura.

Senhora Secretária, o que lhe digo não é que admita o seu falhanço neste ano que passou, nem que se demita. Peço-lhe apenas que atente nas e nos seus funcionários, não com grandiosas obras, que não passam de truques de magia, para enganar os que para elas olham, mas sim com ações concretas, investimentos nos setores que mais precisam, reforço nos recursos humanos e uma aposta verdadeira naquilo que a cultura é.

Porque do património se faz cultura, como se faz da arte e do engenho de cada açoriana e cada açoriano. Ignorar essa fatia do bolo, como se vê no orçamento por si proposto e aprovado, é assumir publicamente a sua incapacidade de gerir. Não lhe peço que se demita. Peço-lhe que aprenda a trabalhar. Por todos nós. E pela cultura.

Sobre o/a autor(a)

Deputada do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores. Licenciada em Educação. Ativista pelos Direitos dos Animais. Coordenadora do Bloco da Ilha Terceira
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