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A coragem contra as polícias do corpo das mulheres

Mahsa Amini era mulher e era curda e interpretou de modo desarmante a vontade indomável das mulheres curdas de serem livres. Ao fazê-lo, foi a voz de todas as mulheres iranianas, de todas as mulheres do mundo e de todos os homens que se irmanam nessa luta pelos direitos e pela liberdade.

Uma polícia da moral é uma coisa abjeta.

Abjeta porque uma moral imposta à força por uma polícia é sempre o avesso do que uma moral deve ser.

No caso concreto do Irão, abjeta também porque não é a moral que aquela polícia policia. Fosse, e a imoralidade da concentração da riqueza nas mãos de uma elite, a imoralidade da negação da autodeterminação a povos que por ela lutam ou a imoralidade da suspeita e da vigilância dos bufos como regime político seriam por ela combatidos.

Mas não, a moral desta polícia que assassinou Mahsa Amini, mulher, curda, livre, é a do controlo e da repressão das mulheres.

O controlo e a repressão das mulheres é o programa da extrema direita em todo o mundo, desde a Itália de Meloni e Salvini à Arábia Saudita, desde os Estados Unidos do trumpismo profundo à Espanha do Vox, desde o Brasil de Bolsonaro ao Portugal de Ventura – sempre as mulheres, a sua autonomia, o seu corpo, a sua liberdade, como alvo obsessivo da vontade controladora do patriarcado mais troglodita.

Mahsa Amini é o rosto de todas as mulheres que, em gestos tão triviais como o de soltar o cabelo, fazem tremer um sistema de poder inteiro e mostram a fragilidade dos seus mentores. Sim, são tão frágeis que precisam de uma polícia para se imporem.

As mulheres que hoje, no Irão, vêm para a rua desafiar esse poder tão frágil quanto bruto, são o que nós todos e todas temos que se sempre.

Mahsa Amini era mulher e era curda e interpretou de modo desarmante a vontade indomável das mulheres curdas de serem livres. Ao fazê-lo, foi a voz de todas as mulheres iranianas, de todas as mulheres do mundo e de todos os homens que se irmanam nessa luta pelos direitos e pela liberdade.

É por isso que eu – homem, português, livre, feminista – venho hoje aqui juntar-me a este grito e a esta luta. Porque ela é minha também. É a nossa luta. Tem que ser, todos os dias, contra todos os poderes. É a luta que opõe a liberdade e a emancipação a todas as polícias de todas as morais.

Intervenção na concentração de solidariedade com as mulheres iranianas, realizada em Coimbra a 1 de outubro de 2022

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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