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COP quase vazio?

É muito mau o sinal dado pelo Governo português ao não comparecer à chamada mundial pelo clima, sendo Portugal o país europeu mais ameaçado pela subida do nível médio do mar e dos que mais sofrerão pelo risco de incêndio. Acaba por legitimar as ausências dos chefes de governo de países poluidores.

O caos climático já não é uma ficção nem se fica apenas pelos relatórios científicos. Entra pela nossa vida dentro com vagas de incêndios cada vez mais dramáticas, ondas de calor que continuamente batem recordes ou fenómenos extremos que semeiam a destruição e a morte. Deixar tudo como está é garantia de desastre, falhar na coragem de mudar a sério a nossa forma de organização e produção é transformar o futuro num inferno. É com estas certezas que se reuniram chefes de Estado e de governo mundiais em Glasgow, na COP26, com os olhos do mundo depositados nos compromissos que possam ser assumidos para combater as alterações climáticas e o aquecimento global.

O relatório mais recente das Nações Unidas veio na forma de ultimato: concluiu que os efeitos das alterações climáticas serão mais rápidos e mais intensos do que o esperado. Se esta já era a luta das nossas vidas, o alarme soou ainda mais alto, mas as conclusões dos cientistas garantem que há quem não esteja verdadeiramente empenhado. É o caso dos líderes das principais economias que prometem enormes mudanças desde que tudo continue igual - esse é o primeiro balanço da COP26 e a garantia do desastre.

A desilusão começa logo na lista dos países ausentes, com os presidentes de China, Rússia ou Brasil a faltarem à chamada. Uma lista de países continentais, essenciais numa luta contra o aquecimento global, cuja ausência comprova a falta de vontade em qualquer compromisso. E se já sabíamos dos interesses russos nos combustíveis fósseis, da dependência chinesa do carvão ou da negligência de Bolsonaro com a Amazónia, é estranho serem acompanhados por António Costa na lista dos faltosos. É muito mau o sinal dado pelo Governo português ao não comparecer à chamada mundial pelo clima, sendo Portugal o país europeu mais ameaçado pela subida do nível médio do mar e dos que mais sofrerão pelo risco de incêndio. Acaba por legitimar as ausências dos chefes de governo de países poluidores, uma posição incompreensível.

Os trabalhos da COP26 também têm estado mais perto da desilusão do que do sucesso. O primeiro dos acordos, referente ao fim da desflorestação, funciona ao contrário do que promete: em vez de acabar o desmatamento das florestas (e da Amazónia em particular), prolonga até 2030 a autorização de desflorestação, dando mais uma década para a destruição dos pulmões do planeta.

E, ao mesmo tempo que a Comissão Europeia está a investigar o mercado europeu de emissões de gases com efeitos de estufa por suspeitas fundadas de especulação, promove a criação de um mercado global de emissões. É um caminho que já provou render milhões aos poluidores e fundos de investimento que os parasitam, mas que pouco faz pelo ambiente. Significa a financeirização das alterações climáticas, colocando o lucro de uns poucos à frente da saúde da nossa casa comum. E porque agrava as desigualdades e impõe medidas com enormes custos sociais, tem como consequência colocar os povos contra o combate às alterações climáticas. Não cria soluções, acrescenta problemas.

A criação de um mercado global de emissões já provou render milhões aos poluidores e fundos de investimento que os parasitam. Significa a financeirização das alterações climáticas, colocando o lucro de uns poucos à frente da saúde comum

Outro dos acordos estabelecidos refere o fim do uso do carvão como fonte de energia. Esta é mais uma promessa com pés de barro, não comprometendo as principais potências dependentes de carvão e apenas assumindo o que (ainda bem) já é uma prática em muitos países. Em Portugal, por exemplo, já não há nenhuma central de carvão em funcionamento para produção de energia elétrica.

A cimeira de Glasgow pode até ficar na história como sendo o momento do enterro do Acordo de Paris. Enquanto os compromissos assinados em Paris tinham o objetivo de limitar o aumento da temperatura média do planeta em 1,5º Celsius, os novos compromissos em negociação já apontam para um aumento da temperatura em 2,7º Celsius. E isso acontece porque as diversas COP se têm perdido em compromissos vazios e não vinculativos, um erro que já não podemos continuar a aceitar.

É tempo de agir com coragem e com solidariedade. Coragem para defender o planeta e a qualidade de vida das gerações futuras da voragem que o ameaça e impondo metas sérias para atingirmos a neutralidade climática. Solidariedade para ajudar povos e países que enfrentam os maiores efeitos das alterações climáticas, cuidando do planeta como aquilo que ele é: a casa de todas e de todos nós.

Artigo publicado no jornal “Público” a 5 de novembro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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