O terramoto eleitoral do fim-de-semana passado (18 de maio) foi gigantesco. Representa um avanço qualitativo na mutação do regime: mais do que um berbicacho, ou um obstáculo, é a certeza de que ficou destruído o modelo de alternância que era o pilar da ordem política. Para as esquerdas que acrescidamente sofreram uma derrota, acresce ainda a evidência de que a extrema-direita absorve votos populares que nelas se reconheciam; é assim que o Chega ganha o Sul e Setúbal ou, simbolicamente, a Marinha Grande.
Ora, como se deve discutir uma derrota? No podcast faço uma primeira avaliação das suas circunstâncias, causas e efeitos, e o que aqui quero indicar é a minha opinião sobre os erros de análise que o choque e pavor podem provocar – e que devem ser evitados. O mais importante seria concluir que os resultados eleitorais são a comprovação do valor das propostas políticas. Não são. São uma realidade que decorre das propostas, das tradições, das culturas, das percepções, das vagas de fundo, e que determinam a governação – mas não são uma legitimação transcendental da Política. Se o fossem, então teríamos que tirar o chapéu à AD e ao Chega e conceder-lhes o reconhecimento da liderança conveniente, o que não se confunde com a vitória eleitoral evidente. É aliás curioso que os que retiram dos resultados a prova da sua superioridade sejam os mesmos que há pouco vituperavam o povo britânico pelo referendo do Brexit, afirmando naquele caso que o voto não representa necessariamente a virtude histórica. O povo, que são muitos e muitas opiniões, decide na sua circunstância e o resultado tem que ser respeitado, mas não confere estatuto divino aos ganhadores, nem inferioriza os perdedores.
No caso das esquerdas, a aplicação deste critério é também absurda: a serem os resultados eleitorais que confirmassem a correcção de uma proposta, as esquerdas teriam falhado ao recusar as políticas de empobrecimento pela Troika, pois foram derrotadas em 2011; ou teriam errado ao recusar as políticas da maioria absoluta do PS em 2022, pois foram então esmagadas; e só teriam sido amparadas pela certificação eleitoral quando propuseram a geringonça em 2015. Uma visão instrumental dos votos não conduz a nenhuma clareza sobre o que deve ser a solução para os problemas do país, ou Trump, Orban, Meloni e quejandos (ou Montenegro e Ventura) seriam o melhor destino a que os seus povos poderiam aspirar. Portanto, mais vale discutir o que provocou a derrota a partir da transformação das realidades e não de ajustes de contas, como que agora vitima Pedro Nuno Santos, por exemplo.
Este texto é parte da intervenção de Francisco Louçã no podcast “Um pouco mais de azul”, onde também participam o jornalista Fernando Alves e a poeta Rita Taborda Duarte. O podcast completo aqui
