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Como Passos Coelho afundou o Banif

O sistema bancário português faliu em 2008. Desde então, BPN, BPP, BES e agora o Banif são os episódios de uma morte anunciada.

A história desta agonia tem rostos conhecidos: os cavaquistas ao comando do BPN e as figuras do regime (do PS ao CDS) que prosperaram à sombra do BES. Mas a inversão completa da função financeira numa economia capitalista - a de serem os bancos a emprestarem dinheiro aos contribuintes e não o contrário - não pode ser desculpa para a normalização do saque. A anatomia do crime que foi a gestão do banco a cargo do último governo ajuda-nos a perceber que um limite foi alcançado: ou o país acaba com a banca privada ou banca privada acaba com o país.

Já conhecemos o passado de promiscuidade que elevou o Banif a banco celestial do PSD-Madeira. Uma influência que se alargou a vários quadros do PSD nacional e permitiu a Luís Amado ocupar o seu cargo na administração. Em 2011, a pesada intervenção da troika, que assegurou o valor dos títulos de dívida pública como um dos principais ativos do sistema financeiro, resultou de um ultimato dos banqueiros. O Banif, à semelhança do BES, evitou o recurso aos fundos públicos de forma a travar a entrada de administradores nomeados pelo Estado. Um esforço em vão. No último dia de 2012, Vítor Gaspar anunciava, não ao país, mas à CMVM, a injeção de 1100 milhões de euros no Banif.

Depois de passado o cheque, que fez do Estado o maior acionista do Banif (99% do capital), não só o governo de Passos Coelho e o governador do Banco de Portugal aceitaram a permanência da antiga administração, como ainda demoraram três meses para nomear os administradores representantes do Estado. Para a administração foi escolhido António Varela e Rogério Pereira Rodrigues foi o indicado para o conselho fiscal . De acordo com a legislação aprovada pelo governo de José Sócrates e desenvolvida por Passos Coelho, estes administradores não estavam sujeitos a um regime de exclusividade e não tinham direito de voto na comissão executiva do banco.

Estas restrições não impediram António Varela de assumir o cargo sendo ele próprio detentor de ações do Banif (assim como do Santander), aceitando passivamente que os administradores do Banco lucrassem com as operações de aumento de capital. Já Rogério Pereira Rodrigues foi rapidamente incumbido por Maria Luís Albuquerque de uma outra tarefa: dirigir a investigação interna da Inspeção-Geral das Finanças aos contratos SWAP em que a própria Ministra estava envolvida.

A ex-Ministra da Finanças tem ainda de explicar ao país por que manifestou desconfiança na administração do Banif - como foi revelado pela carta da Comissária Europeia para a concorrência - e a única ação que tomou foi promover António Varela a administrador do Banco de Portugal, nomeando Miguel Artiaga Barbosa em sua substituição. Num tempo de pré-campanha, o governo de Passos Coelho assumiu o adiamento da resolução do BANIF como uma escolha política, nomeando para a administração um ex-diretor do Goldman Sachs e membro da ESAME, a estrutura de acompanhamento à aplicação do programa da troika dirigida por Carlos Moedas, o agora Comissário Europeu que foi, até 2012, sócio de Diogo António Rodrigues da Silveira, presidente da comissão executiva da Açoreana Seguros (2008-2014), entidade detida pelo Banif que ficou no veículo de ativos tóxicos do banco.

A direita prometeu ao país uma "saída limpa" da troika, uma devolução da sobretaxa do IRS e um défice controlado, sem incertezas à vista. Menos de três meses após as eleições, este cenário de papel e ilusão não resiste às contradições escondidas durante a campanha, pagas pelo país real a peso de ouro. Passos Coelho é o rosto dessa responsabilidade e o líder de um partido que atingiu níveis criminosos de plutocracia financeira. Quem à esquerda quer salvar o país deve exigir essa justiça e juntar forças para enfrentar um problema sistémico.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, dirigente do Bloco de Esquerda e ativista contra a precariedade.
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