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Como combater a "espanholização" da banca

O problema do sistema financeiro português não é de nacionalidade, é de propriedade e de identidade. E é centrando aí o debate que verdadeiramente construímos soluções viáveis.

Empresários e banqueiros portugueses estão assustados com a hipótese da "espanholização" da banca nacional. A compra do Banif pelo Santander, a possibilidade de o Caixa Bank alargar a sua influência no BPI e estes disputarem entre si a aquisição do Novo Banco estão a dar corpo a um manifesto contra esta transferência de nacionalidade.

O pano de fundo deste processo é a sofrida existência da banca nacional que depois de décadas de distribuições generosas de dividendos aos acionistas, dos chorudos prémios aos gestores e de uma enorme promiscuidade entre negócios, setor financeiro e poder político, é agora das mais descapitalizadas da Europa, sentada em cima de ativos altamente desvalorizados.

"De Espanha nem bons ventos nem bons"... banqueiros, parece dizer esta elite nacional. Do lado do governo, apoiado pelo Presidente da República, parece existir a esperança de que a Catalunha nos liberte do jugo dos Filipes. Isto, claro, apostando também em Isabel dos Santos como contraponto, ela que sabe bem que enquanto filha de presidente de Angola goza de mais simpatia no seu país do que sendo filha de ex-presidente e por isso pretende manter os investimentos em Portugal.

A discussão sobre a nacionalidade do sistema financeiro português é a prova da cegueira das elites nacionais. Não estamos condenados entre escolher os empresários e banqueiros portugueses ou os equilíbrios entre Madrid, Luanda ou Barcelona. Este é um debate de curto alcance que falha no essencial: não foi a gestão nacional do sistema financeiro que criou os buracos de BCP, BPN, BPP, BES e Banif? E não foi o sistema financeiro espanhol também quase ao colapso? Quem garante a solidez da banca angolana? E em qualquer das propostas em discussão não está prevista a subjugação ao BCE e ao seu representante em Portugal, o governador Carlos Costa, que em vez de bombeiro pareceu estar sempre empenhado em ser pirómano?

O problema do sistema financeiro português não é de nacionalidade, é de propriedade e de identidade. E é centrando aí o debate que verdadeiramente construímos soluções viáveis. A putativa "espanholização" da banca nacional é filha das privatizações dos bancos nacionais (propriedade) e da inexistência de uma verdadeira estratégia nacional para o nosso sistema financeiro (identidade). E o resultado está a sair bem caro aos contribuintes, sempre chamados a pagar pelos buracos.

A afirmação de que a fuga dos centros de decisão para o exterior prejudica a nossa economia é verdadeira. Mas a competição não é entre Lisboa ou Madrid, Luanda ou Barcelona, não é um problema de latitude ou longitude. Vários centros de decisão existentes em Portugal falharam em defender o interesse nacional. A questão é de quem manda nesses centros de decisão e quais os interesses que lá são defendidos. A pergunta é: como se garante que os centros de decisão defendem o interesse público?

A solução passa pelo controlo público da banca, garantindo uma Caixa Geral de Depósitos forte e capitalizada e o Novo Banco público. Com administrações que não sirvam para reformas douradas de ex-ministros ou pagamentos de favores partidários, mas antes respondam a uma estratégia de investimento na economia e de criação de emprego.

Artigo publicado em “Diário de Notícias” a 26 de março de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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