Todos os anos é primordial comemorar Abril como um reavivar da memória, fazendo lembrar os valores daquele “dia inicial, inteiro e limpo”. Este ano acresce o facto de já nos sentirmos mais libertos da pandemia e já se notarem os preparativos para as comemorações dos 50 anos. O 25 de Abril foi feito para todo/as que a ele querem pertencer como território coletivo de libertação de um povo, que importa sempre enaltecer. Muito/as lutaram muito para o conseguir e alguns/mas arriscaram tudo para o conquistar. Muitos deste/as autore/as e fazedore/as continuam a estar entre nós, fazem parte das nossas vidas e dos nossos contactos, são pertença da nossa gente e do nosso meio. Falo nos capitães da voz de comando, mas também nos soldados que com firmeza conduziram as chaimites e estoicamente contiveram as armas. Falo no/as que ideologicamente cavaram trincheiras e criaram células que abalaram os pilares das forças armadas, mas também, e muito, no/as que heroicamente enfrentaram as agruras do regime fascista. Falo no/as que escreveram canções de consciência e libertação e em uníssono exaltaram um povo de “canto livre”, mas também no/as que criaram a Constituição da democracia. E falo em tanto/as outro/as por outros tantos feitos. Em nome da memória e da coragem do/as que edificaram Abril, saibamos honrar o seu legado e prestar o devido tributo pela forma como contribuíram para a construção do nosso país tal como o temos. Continuamos a ter muito caminho para percorrer e muito atropelo para desbravar, mas o trilho do percorrido tem que ser rumo a nortear.
Comemorar Abril é não deter o clamor contra o/as que o querem revisionar. O neoliberalismo embrulhado em modernaças teorias de rentabilidade individual e a extrema direita reacionária e discriminatória pelo ódio de retrocesso civilizacional, tentam lançar anátemas às conquistas de Abril invertendo a primazia pelo 25 de novembro. Não podemos deixar passar este perigoso revisionismo nem consentir que estas ditatoriais propensões ganhem dimensão de poder, sob pena de sermos cúmplices do aniquilar da democracia. Tenhamos bem presente que as conquistas socioeconómicas e direitos de cidadania alcançados com a Revolução não são irreversíveis e não estão para sempre garantidos.
Comemorar Abril é sentir o simbolismo do dia, é desfilar de cravo vermelho na lapela, é cantar a Grândola de peito aberto, é proferir discursos de exaltação, mas não em modo de ritual solene de efeméride. A vitória da liberdade e da democracia contra o fascismo e a opressão, para além de ser uma data festiva implica a valorização permanente das conquistas, a construção ativa e viva de um país plenamente democrático de combate às desigualdades e exclusão social.
Comemorar Abril é içar bem alto a bandeira da liberdade, é contrariar a descrença e o desencanto, é promover uma sociedade solidária que exige respeito pelas mundividências e multidiferenças, é alimentar e cultivar a esperança e a legítima ambição de ser feliz e viver com direitos e dignidade. É acreditar e fazer crer que o processo de transformação social desencadeado pela revolução continua presente e que, mais do que nunca, é imperioso exigir políticas que carrilem a senda de uma Revolução que emancipou o povo de um país que teima em não abrir mão do que Abril abriu.
Não haverá forma melhor de comemorar os 50 anos do 25 de Abril, do que engrandecer a liberdade a sério, a solidariedade com todos os povos em nome da paz, a garantia do direito ao pão, à saúde, à educação e à assistência social, juntando-lhe a habitação que tem sido deixada para trás como promessa não cumprida.
Numa nota de registo local, quero, por um lado valorizar a realização da sessão solene comemorativa da AM, mesmo considerando que devia ser num espaço mais aberto, mais público porque 25 de Abril é rua, é praça de gente em festejo social. Por outro, quero refutar veementemente o atropelo democrático manifestado pelo anterior executivo autárquico PS, em final de mandato já depois de ter perdido as eleições, ao apresentar uma queixa-crime contra membros do Bloco de Esquerda por terem pintado um mural alusivo ao 25 de Abril com a mensagem “Fascistas não passarão”. O muro que serviu de tela não tem qualquer valor patrimonial e, para além de estar pejado de outras inscrições, está degradado e sem cuidado de limpeza. Esta prepotente e absurda atitude persecutória, é demonstrativa das prioridades de intervenção municipal. Para quem desfigurou a urbe com aberrantes edificações em conglomerados de espaços comerciais – cujo Presidente em tempos e noutras funções dizia que Barcelos era uma espécie de Gália como reduto anti-hipermercados -, é caricato terminar o ciclo governativo com esta tacanha querela judicial. A risível contenda tem o condão de abrir debate sobre o espaço público enquanto palco de contestação e de luta política e social e tem a vantagem de poder reafirmar que na verdade, no que depender do Bloco de Esquerda, os fascistas não passarão!
Artigo publicado no “Jornal de Barcelos”
