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Combate à escravatura – mais vale prevenir…
Não há outra designação para esta gente que trafica pessoas em condições de escravatura, uma realidade teimosa: segundo as Nações Unidas, no final do ano passado calculava-se em 21 milhões as vítimas de trabalho escravo a nível mundial; todos os anos 2,4 milhões são apanhados por redes de tráfico, em grande parte para exploração laboral.”
Subscrevo todas e cada uma das palavras do editorial do “Diário de Notícias” de 6 de julho, assinado por Ana Sousa Dias, argumentos no essencial coincidentes com o artigo “Trabalho escravo não é força de expressão” que publiquei no passado mês de Fevereiro no blogue “A Contradição”.
Passada a exposição mediática deste e de outros casos, sempre apresentados como excecionais, a dura realidade persiste. É o amargo “pão nosso de cada dia” de milhares de imigrantes privados/as do direito de ser gente, sem documentos e explorados/as até à medula em olivais, estufas, matas e vacarias, nas obras ou agrilhoados/as pelas redes de prostituição.
Mesmo quando a realidade aflora ocasionalmente na comunicação social, é preciso ver para além dos factos. O SEF, aqui apresentado como libertador das vítimas de tráfico humano – posso testemunhar a abnegação e a coragem de alguns agentes envolvidos nestas operações – é, enquanto instituição, responsável em larga medida pelo alastramento destes fenómenos. O SEF é um instrumento das políticas migratórias erradas e desumanas praticadas em Portugal e na Europa: a crise dos refugiados é a ponta do iceberg, ou melhor, da vala comum do Mediterrâneo e do Atlântico, das Canárias e ainda além do Bojador…
O Despacho do SEF 7/2016, de 21 de Março, é um exemplo recente, ao remeter para a clandestinidade milhares de imigrantes que vivem e trabalham em Portugal e de boa fé tinham requerido Autorização de Residência. Este Despacho, a par dos entraves da Segurança Social à inscrição de novos imigrantes, estiveram na mira da grande manifestação de 3 de Julho que percorreu a baixa lisboeta exigindo “Nem menos, nem mais, direitos iguais”.
Não é por acaso que o SEF anunciou um novo Despacho de 4 de Julho, permitindo que todos os casos a quem foram rejeitadas autorizações de residência desde Março, pelo exclusivo motivo de falta de visto, “possam ser, a título excecional, objeto de reapreciação casuística, com dispensa daquele requisito”. A luta vale a pena e começa a produzir resultados.
Mas é preciso ir mais além. Não nos conformamos com “reapreciações casuísticas”. É preciso limitar drasticamente o poder discricionário e arbitrário do SEF, como propõe o Projeto de Lei 264/XIII do Bloco de Esquerda: através de alterações cirúrgicas aos artigos 88 e 89 da Lei de Imigração, 23/2007, visa transformar um “procedimento excecional e oficioso” em processo regular (não extraordinário) de requerimento e concessão de autorização de residência para o exercício de atividade profissional, como consta da sua exposição de motivos.
Bem podem o SEF e outras polícias multiplicar as suas intervenções. Mas, por cada porta que fecham à regularização documental dos imigrantes – a primeira etapa de acesso à cidadania – abrem-se mil janelas de oportunidade para os traficantes de carne humana.
Quem semeia clandestinos arrisca-se a colher escravos.
Mais importante do que combater a jusante o tráfico humano e a moderna escravatura, é atuar a montante destes fenómenos. Como reza a sabedoria popular, mais vale prevenir…
Uma boa notícia, para terminar: está agendada para 20 de Julho a votação final do Projeto de Lei n.º 55/XIII do Bloco de Esquerda que “combate o trabalho forçado e outras formas de exploração laboral”, chumbado há um ano pela velha maioria PSD/CDS. O diploma responsabiliza toda a cadeia de contratação envolvida neste tipo de crimes, desde o mais pequeno engajador de mão-de-obra até ao dono da terra ou da obra, afinal os principais beneficiários dos esquemas de sobreexploração.
Artigo publicado no blogue A Contradição
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