Coimbra não Revive para Todos

porRafael Pereira

14 de abril 2024 - 0:28
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A missão do programa Revive acaba por subverter aquilo que se espera do próprio património público. É esperado destes programas uma atração especial para fundos de investimento e grandes empresários levarem a cabo enormes investimentos imobiliários e hoteleiros de luxo.

Uma história que começa em Fevereiro de 2023 quando parte do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova é posta em concurso público através da plataforma REVIVE, uma ferramenta estatal e muito patrocinada pela autoridade turística portuguesa Turismo de Portugal. E agora, um ano e alguns meses depois, o concurso foi ganho e o desfecho não podia ser mais desanimador.

“Madeirense ganha concessão do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova”: é este o título com maior destaque da edição física do Diário de Coimbra de dia 27 de Março deste ano. A notícia segue a história do empresário Sérgio Aleixo que, apesar de segundo classificado no concurso, acabou por ganhar por desistência do vencedor e está determinado em transformar a àrea militar do Mosteiro coimbrense em um temático hotel de cinco estrelas com “centenas de quartos”. Com uma breve pesquisa, fica também claro que Sérgio Aleixo venceu igualmente o concurso para a exploração do Mosteiro de Lorvão em Penacova, onde tenciona dar-lhe o mesmo fim hoteleiro.

Estamos perante uma plataforma desenhada para dar uso a património público que não tem a utilidade desejada de momento, numa tentativa de promover o desenvolvimento da região. Porém, em completa verdade, a missão do programa REVIVE acaba por subverter aquilo que se espera do próprio património público, património esse que deve ser culturalmente rico e disponível à comunidade, colocando apenas o lucro à frente dos interesses de toda uma comunidade. Este programa, por melhor índole que tivesse tido no momento da sua criação, serve assim para o abandono da responsabilidade estatal pública sobre os seus bens e para a alimentação de um mercado de luxo que não serve a quem vive todos os dias na cidade.

Tendo em conta que o objetivo último deste concurso é reabilitar os imóveis para se tornarem aptos a uma “atividade económica lucrativa e com vocação turística”, como explicado no website da Turismo de Portugal, é notável no seu subcontexto que tipos de investimento são aqui procurados. É esperado destes programas uma atração especial para fundos de investimento e grandes empresários levarem a cabo enormes investimentos imobiliários e hoteleiros de luxo, virados sempre para o consumo nos meios de grande capital e sempre disponíveis para quem tem o poder económico.

É um cenário desanimador aquele que raramente pensa em programas onde estes bens de grande valor sejam devolvidos às comunidades para que possam usufruir do seu próprio espaço. O que leva a algumas questões basilares: não poderia o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova ser reaproveitado de modo a continuar público? Não haverá uma política cultural pública prevista orçamentalmente que mereça o esforço do executivo?

E podemos até pensar mais adiante, propondo um breve exercício de imaginação. Tendo em conta a escassez de habitação pública e estudantil e tendo também em conta a pobreza das residências universitárias existente na cidade dos estudantes, não poderia aquele espaço ser habitação pública? Não poderia aquele espaço albergar centenas de estudantes que tanto se esforçam para conseguir arranjar alojamento acessível? O que falha nas políticas públicas a modos de promover uma turistificação desenfreada sem considerar as necessidades de quem torna a cidade um lugar vivo, culturalmente rico e politicamente relevante?

Os estudantes não serão certamente um mero adereço turístico e as suas instituições de ensino e associativas não são cenários figurativos de pleno cinema. A comunidade em todas as suas expressões tem de ser valorizada e é preciso respeitar quem usa a cidade todos os dias e não quem apenas se serve dela para visitar. Com este tipo de escolhas políticas, apenas se afasta o património da comunidade que o construiu, passando apenas a admirá-lo à distância. É preciso uma estratégia local e nacional que meta um fim ao consumo turístico que, para além de inconsequente, subsiste à custa do abandono das instituições e da população.

Rafael Pereira
Sobre o/a autor(a)

Rafael Pereira

Estudante de sociologia deslocado para Coimbra e ativista interseccional
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