A cidade na resposta à crise

porAntónio Soares

06 de janeiro 2023 - 21:59
PARTILHAR

Corria o ano de 2009 quando as rendas e as taxas Euribor faziam tremer os bolsos das famílias e alertavam para um empobrecimento generalizado da classe trabalhadora. Passados 13 anos, a história parece ser a mesma, a crise volta a ser uma sequela do capitalismo.

Corria o ano de 2009 quando as rendas e as taxas Euribor faziam tremer os bolsos das famílias e alertavam para um empobrecimento generalizado da classe trabalhadora. Era a crise económica que fazia tocar os alarmes da destruição do Estado social e da sua privatização, bem como da liquidação do poder de compra dos portugueses, sobrecarregados pela austeridade. Passados 13 anos, a história parece ser a mesma, a crise volta a ser uma sequela do capitalismo.

As notícias que nos chegam da comunicação social são inquietantes. Só neste ano de 2022 a renda média subiu mais de 48,7% - que em valores brutos, representa um aumento superior a 500€, face ao ano de 2021. Este aumento é mais um encargo que as famílias, neste ano de 2022, veem somados ao seu bolo financeiro mensal, que não aumenta, mas vê-se na obrigatoriedade de ser racionado. Sobe a luz e o gás, sobe o cabaz de bens essências, e os salários continuam iguais. Na verdade, com todos estes novos aumentos abruptos, os salários reais diminuíram e os portugueses perdem cerca de um salário por ano.

Posto isto, o direito à cidade, num país fortemente centralista e urbano, é adiado. É adiado para quem já lá vive (na cidade) e se vê obrigado a deixar a casa de uma vida para que no lugar da sua habitação se construa um novo hotel. É adiado para a população mais jovem, que usufrui da cidade, mas vê privado o direito a lá morar. Quando analisamos a crise da habitação e os novos fenómenos de gentrificação, é crucial analisar, também, todas as despesas que durante um mês, são imprescindíveis e compará-las com o salário médio de um jovem português, recém-formado. O rácio entre o valor que sai e o valor que entra é nulo ou negativo e explicativo dos dados do Eurostat, que indicam que os jovens portugueses são os que mais tarde saem de casa dos pais, na União Europeia.

A independência financeira dos jovens é, em muitos casos, um fator de libertação, fundamental para a sua saúde mental. Nem todas as pessoas nascem e vivem em seios familiares saudáveis, e pessoas LGBT ou mulheres que sofrem de violência doméstica, por exemplo, são grupos vulneráveis. Em muitos casos, pessoas LGBT e muitas mulheres, veem a sua saúde mental e física posta em causa, quando o custo de vida aperta e se intensifica a dependência económica.

Mais de 40% da população portuguesa, em 2020 (INE), vivia nas Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa. Ambas as regiões têm vindo a sofrer com uma nova forma de gentrificação: a turistificação. Este fenómeno coloca uma nova pressão nas cidades, nas quais os proprietários nacionais se aproveitam da procura externa para criarem estadias temporárias para grupos de pessoas com maior poder de compra, colocando as rendas das casas a preços proibitivos para a maioria dos portugueses. Já não é, como outrora fora, o burguês que se muda para o centro e traz consigo a elegância que atrai o capital, transformando as áreas centrais da cidade em lugares nobres e de classes altas, empurrando o trabalhador explorado e pobre para uma casa na periferia. Estas periferias hoje já são cidades com vida própria, sofrendo, inclusive, com a praga da gentrificação. Estes dados dão enfase à importância das cidades, como lugar abstrato, mas central na resposta à crise.

É urgente, para que se responda com eficácia à crise da habitação, que se controle os preços das rendas e se aposte na construção de habitação publica

É urgente, para que se responda com eficácia à crise da habitação, que se controle os preços das rendas e se aposte na construção de habitação publica. Em Berlim, em 2021, foi referendada a expropriação de propriedades de grandes empresas imobiliárias na capital alemã. Este referendo, embora não vinculativo, venceu com 56% dos votos a favor, o que demonstra a vontade da população, principalmente dos mais jovens, de viver nas cidades. A população de Berlim não abdicou do seu direito a ter uma casa onde morar.

Em Portugal, um país onde 70% dos trabalhadores ganha abaixo dos mil euros e onde a precariedade jovem é das mais altas da Europa, as políticas para a habitação têm de estar diretamente relacionadas com as políticas dos salários e do trabalho. É, por isso, imprescindível para garantir o direito à cidade, a promoção do trabalho digno e o aumento dos salários ao valor da inflação. As grandes cadeias retalhistas em território nacional apresentaram lucros extraordinários à custa da especulação dos preços dos bens essenciais. Comprar carne, peixe, massa e azeite, em Portugal, está a começar a parecer um luxo. Os poucos pequenos comerciantes, que existem nas cidades e que resistiram à gentrificação e ao surgimento dos grandes hipermercados, podem não resistir a esta nova crise. O preço do gás e da eletricidade, privatizada pela direita, são um inferno para as famílias e para os pequenos negócios. É, por isso, fundamental a nacionalização do gás e a eletricidade de forma a impor limites aos seus aumentos, ao mesmo tempo que urge a taxação dos lucros das grandes empresas e fixação de limites nos preços dos bens essenciais.

O governo já prometeu que não irão existir aumentos nos passes de transporte das AM, porém, se o governo quer verdadeiramente apoiar as famílias e diminuir a pegada carbónica, o congelamento dos valores dos passes metropolitanos não é suficiente. Um verdadeiro apoio às famílias e ao ambiente seria a gratuidade do passe de transporte. É evidente que, numa abordagem nacional, o interior carece de transportes coletivos públicos. Esta medida não iria reduzir a utilização do automóvel nessas regiões. No interior, é necessária uma política de coesão territorial e de aposta na ferrovia, para diminuir as desigualdades regionais e a densificação insustentável das AM.

Por fim, o direito à habitação e a uma cidade com transportes, o acesso à educação e o direito a ter um trabalho digno com um salário ajustado ao custo de vida são uma necessidade urgente, de resposta à crise e ao assalto que está a ser feito à carteira dos trabalhadores. É na construção de uma cidade mais justa, onde todos cabem e onde não reina a selvajaria de mercado, que se encontra a esperança. Por uma cidade que garanta a proteção de todos e que torne a nossa vida, enquanto sociedade, mais justa e com direito a um futuro.

António Soares
Sobre o/a autor(a)

António Soares

Estudante de Geografia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, deputado municipal do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Santo Tirso
Termos relacionados: , Habitação