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CGD: um passo em frente, três para o lado e mais três para trás

Quando terminar a negociação entre o governo e a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu a respeito da recapitalização da CGD, é possível que tenhamos uma vitória para o banco público. Para já, foi contida a tentativa de abrir a porta a uma privatização futura.

O truque era simples: a recapitalização só se poderia fazer por títulos de dívida que pudessem ser um dia transformados em acções pelos credores. Isso não acontecerá e esta imposição do caminho alternativo (recapitalização com fundos públicos) é um sucesso para o governo e para a CGD. Ganha-se tempo e margem de manobra. É um passo em frente.

Em contrapartida, o sucessivo adiamento da tomada de posse da nova administração tem sido um passo para o lado. Desde janeiro que se prolonga o impasse e parece que só será resolvido no final deste mês (parece que a 24 de agosto). É tempo demais. Ou foi uma estratégia das autoridades europeias para prolongar a situação ou foi falta de iniciativa da administração ou do governo, ou tudo conjugado.

Outro passo errado e para o lado, totalmente escusado, foi a imposição original do novo presidente da administração, António Domingues, que conseguiu uma alteração legislativa para aumentar o seu salário, além de acumular com a pensão do BPI. Fazer uma lei para servir uma pessoa é um péssimo expediente, exigir esta vantagem é uma péssima escolha, acumular salário especial e pensão é vontade demais. Tudo feio.

Terceiro passo para o lado e vamos ver no que dá: a Mckinsey e um escritório de advogados têm estado a preparar o plano para a CGD. Quem contratou estas entidades, sob que diretivas, quem lhes paga e perante quem respondem é um mistério. Suponho que a administração ainda em funções não tenha sido ouvida sobre isto e são bombas ao retardador.

Agora os passos para trás. O primeiro é este decreto-lei que altera o Estatuto do gestor público, porque não se limita a suprimir o limite salarial anterior para este caso. Vai mais longe e retira a CGD do âmbito do Estatuto, promovendo assim uma opacidade não aceitável. O banco público tem mesmo que ser público.

O segundo passo atrás são os novos estatutos, em que temos um pouco de tudo: um conselho fiscal que deixa de ser escolhido pelo acionista mas passa a ser nomeado pelo futuro presidente, mandatos que passam de três para quatro anos e com a nova possibilidade de quatro renovações, tornando possível a alguém estar 16 anos em funções, e mesmo a extravagante hipótese de contornar o código das sociedades comerciais. Isto não parece caber bem na descrição de “arrumar a casa”.

Finalmente, o terceiro passo atrás é a escolha da administração. Já elogiei a escolha do presidente, já critiquei a sua condição para o salário, já critiquei a dimensão do novo conselho de administração, mas agora foram divulgados todos os nomes. E confesso a minha perplexidade: há toda uma equipa que vem do BPI (e do seu Banco de Fomento de Angola), o que me parece demasiado, há gente da Gulbenkian (incluindo da Partex) e há depois uma lista avantajada de figuras dos negócios: da Angola Telecom, de um grupo hoteleiro, da Peugeot-Citroen, da Sonae, da Renova, da Unicer e Sogrape, com mais dois quadros que fizeram carreira no Dresdner Bank e Allianz e no Santander. Fica uma espécie de Câmara Corporativa só com representantes empresariais.

Mas para quê o presidente da Angola Telecom? E de empresas de cervejas ou papeleiras? Ou de automóveis? Ou de vinhos? Ou de centros comerciais? Com franqueza, não me digam que esses administradores (não-executivos) vão abrir as portas do banco aos negócios com esses setores industriais e financeiros. Essa seria a mais perigosa das conveniências e daria sempre asneira. Ou estão estes administradores a assegurar que o banco promove equilibradamente projetos de investimento (seus ou dos seus concorrentes diretos ou indiretos)? Não faz sentido, acrescendo ainda que estas empresas são clientes da CGD e muitas delas têm com o banco vultuosos contratos de crédito.

O “Público” noticiou há dias que o BCE poderia ter recusado esta lista tão longa, impondo uma administração mais reduzida com 11 membros. Supondo que se confirma esta notícia, ainda não se sabe quem fica e quem sai da lista dos 19. Fica o problema: foram alguns convidados e serão desconvidados, mas é boa notícia se a pequena câmara corporativa ficar no tinteiro.

Bem sei que há quem diga que o melhor é não se dizer nada sobre o assunto, porque a Caixa fica vulnerabilizada. Penso o contrário. Arrume-se a questão com rapidez, transparência, bons critérios e contento público, porque o que prejudica a Caixa é esta dança irreflectida e fora de compasso.

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 15 de agosto de 2016

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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