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Bloco e CDU, diferenças europeias

Na esquerda que recusa o Tratado Orçamental, é preciso escolher.

A tarefa mais importante que hoje a esquerda enfrenta é a resposta à necessidade de uma alternativa unitária à política da austeridade. Esse caminho apela ao reforço eleitoral dos que se opõem ao Tratado Orçamental e ao declínio imposto pelo "arco da governação". Mas esta esquerda antagonista é plural e, nestas eleições, quem a apoia deve escolher. Abordam-se aqui as principais diferenças, em política europeia, entre o Bloco e a CDU.

Uma primeira distinção está no centro político destas duas candidaturas. Pelo lado da CDU regista-se, ao contrário do que é voz corrente, uma estranha ambiguidade na sua posição mais marcante, a saída do euro. Em diferentes circunstâncias, diferentes dirigentes comunistas expressam-se diferentemente sobre esta posição. Ora propõem um referendo sobre a permanência no euro, ora defendem claramente a saída, ora a condicionam a compensações europeias que amorteçam a desvalorização da moeda nacional a criar, ora se limitam a recusar "qualquer tabu". Nestas eleições, o PCP escolheu o tema do euro mas não lhe responde claramente.

Pelo seu lado, o Bloco de Esquerda tem denunciado a chantagem da expulsão do euro e recusado novos sacrifícios em nome da permanência na moeda única. Mas o foco da sua intervenção está há muito na reestruturação da dívida, bem como num referendo ao Tratado Orçamental que permita ao povo português rejeitar a austeridade perpétua. Quebrar o jugo da dívida e da austeridade implica uma desobediência portuguesa quanto aos termos do pagamento da dívida. É certo, também, que esse caminho poderá resultar em duras retaliações pela parte das instituições da UE. Cabe a uma sólida maioria de esquerda saber prevê-las e enfrentá-las, apoiada na mobilização popular.

Outro ponto de distinção entre Bloco e PCP é a rede internacional que cada um destes partidos constrói na Europa. O Bloco é membro do Partido da Esquerda Europeia, tal como a Esquerda Unida espanhola ou a Frente de Esquerda (que inclui o PC francês), e reconhece a disputa do governo grego como ponto crítico para a alteração da situação europeia - e também por isso apoia a candidatura de Alexis Tsipras, do Syriza, na sua simbólica disputa da presidência da Comissão Europeia. Pelo contrário, o PCP mantém-se ausente destes espaços, sendo até o mais relevante parceiro europeu do Partido Comunista Grego (KKE), assumidamente estalinista, que tem o eixo da sua intervenção no ataque sistemático ao Syriza.

Sendo certo que, tal como no parlamento nacional, os eurodeputados do Bloco e do PCP coincidem na grande maioria das votações, é também certo que tal não aconteceu em algumas deliberações importantes. Especialmente demonstrativos do bloqueio a que conduz a sistemática recusa do PCP de políticas articuladas em escala europeia são as orientações de voto do PCP nos casos do roaming e da Taxa Tobin. Ambos constituíram derrotas importantes, no parlamento europeu, de dois poderosos lóbis - a banca e as telecomunicações. Mas o PCP não esteve onde a esquerda se encontrou, recusando o voto favorável ao fim do roaming (um abuso de muitos anos cometido pelas multinacionais telefónicas) e à Taxa Tobin sobre as transações financeiras, bandeira histórica dos movimentos alterglobais e reivindicação fundadora da rede internacional ATTAC.

Por fim, como seria de esperar, também no parlamento europeu, o PCP e o Bloco têm divergido acerca das ditaduras chinesa e angolana. O PCP mantém relações muito próximas com estes regimes que, todavia, são hoje agentes centrais da transformação económica em Portugal, na sequência das privatizações dos últimos anos.

O enunciado destas diferenças e o seu debate não deve ser encarado como forma de hostilidade. O sectarismo só pode trazer atraso às causas comuns da esquerda, mais ainda quando os encontros (que não são o assunto deste texto, como já se percebeu) são bem maiores e mais frequentes que desencontros como estes. Foi Jerónimo de Sousa quem disse, à saída de uma reunião na sede do Bloco, em Julho passado, que "só os dois partidos não encontrarão a solução, mas não há solução sem os dois partidos". Tem razão.

Na resposta à guerra social imposta pelo Tratado Orçamental - a nova bula da austeridade na União Europeia, apoiada por todo o Bloco Central -, a esquerda não deverá pois omitir as suas diferenças. Deve, sim, colocá-las em debate, como parte de um caminho de convergência para uma a afirmação de uma maioria social e política que interrompa o ciclo destrutivo que domina Portugal.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
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