Está no relatório da Comissão de Inquérito e é uma pérola: “Importa assinalar que o episódio referido por Diogo Lacerda Machado, no que concerne a uma orientação de voto sobre o orçamento da empresa, tendo surgido como uma situação excecional e isolada, poderá contribuir para, a contrario, se concluir que a norma era efetivamente a da não ingerência.”
Haveria alguma empresa privada em que se perguntasse se é legítimo o dono dizer aos administradores que nomeou e que dele dependem como devem agir nas questões fundamentais?
A lógica é imbatível: como houve uma confirmação de uma intervenção, e logo pressionando o “melhor amigo” do primeiro-ministro, fica provado que, dado haver sempre uma exceção a cada regra, não houve interferência. É um exemplo que devia ser estudado nas aulas. Só que evita a única questão relevante: então se o Estado é dono de ações da empresa e alguém é o seu representante, essa pessoa não deve receber instruções sobre como votar? Não é essa a obrigação da tutela? Na minha modesta opinião, mal faria o Estado se, usando o nosso dinheiro, não se responsabilizasse por ele. Mais, esta doutrina segundo a qual o Estado é dono, mas uns senhores fazem o que querem com a sua representação, por serem as vozes do mercado, é uma aberração. Haveria alguma empresa privada em que se perguntasse se é legítimo o dono dizer aos administradores que nomeou e que dele dependem como devem agir nas questões fundamentais?
De facto, esta bizarria da independência dos gestores públicos é uma forma de evitar o escrutínio que realmente importa, sobre o que fazem e como conduzem a empresa. Esta questiúncula é da família das efabulações que leva a chamar ao diretor-executivo do SNS “CEO”, a que ponto se desceu.
Artigo publicado no jornal “Expresso” a 14 de julho de 2023