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Atlantis concert for what??

É, no mínimo, o que qualquer pessoa com preocupações ambientais diz depois de conhecer o local onde se realiza o gigantesco festival: a margem da Lagoa Azul, nas Sete Cidades, zona classificada como paisagem protegida e sítio RAMSAR.

Atlantis concert for earth é a designação de um festival de música que decorrerá em São Miguel a 22 e 23 de julho. Atlantis concert for what?? É, no mínimo, o que qualquer pessoa com preocupações ambientais diz depois de conhecer o local onde se realiza o gigantesco festival: a margem da Lagoa Azul, nas Sete Cidades, zona classificada como paisagem protegida e sítio RAMSAR (zona húmida classificada como local de importância ecológica internacional ao abrigo da Convenção Internacional sobre as Zonas Húmidas).

Os promotores do festival pretendem colocar 10 mil pessoas por dia nas margens da Lagoa Azul a assistir a um festival em “prol da conservação global da Natureza” e que se realiza “num cenário ecologicamente rico e intocado''.

Os promotores enredam-se logo numa tremenda contradição. Então se consideram o local ecologicamente rico e intocado (na verdade é altamente humanizado, o que não significa que não seja ecologicamente rico e importante) qual é o objetivo de lá colocar 10 mil pessoas em simultâneo, milhares de carros, muitos decibéis de música e milhares de copos a voar para a lagoa?

Um dos dramas desta terra é que o ambiente é apenas verbo de encher na boca de governantes que veem a conservação da natureza como flor na lapela para adornar negócios

Ao contrário do que os promotores pretendem fazer crer de forma panfletária e simplista e diria até insultuosa da inteligência dos açorianos, o impacto sobre o ambiente não se mede tão só pelas emissões de gases com efeitos de estufa. Aliás, neste caso, como em tantos outros, o impacto mede-se principalmente pelo impacto no ecossistema onde irão organizar o concerto.

E esse impacto, dadas as características do local, é brutal. O complexo vulcânico das Sete Cidades é zona de paisagem protegida e integra o parque natural da ilha de São Miguel. Existem por isso fortes limitações às atividades a realizar na zona e, como referido acima, o local é classificado como sítio RAMSAR, dada a sua importância como local de nidificação e invernada para aves.

Os promotores querem fazer-nos crer que 10 mil pessoas por dia junto à margem da Lagoa Azul, zona mais sensível do local, não só não terão impactos negativos significativos como até serão benéficos para o ambiente! Se o festival fosse em prol da natureza não se realizaria naquele local. Fazem uso de uma técnica básica de greenwashing, termo que designa a utilização de um discurso ambientalista, recorrendo ao marketing, para criar uma imagem positiva acerca da responsabilidade ambiental de pessoas ou organizações, de modo a ocultar os impactos negativos da sua atividade. O greenwashing encaixa-se como uma luva neste caso!

Mas se os promotores estão a tentar ganhar a vida, embora com pouca honestidade intelectual, devia haver quem no governo não fosse no conto do vigário e zelasse pela conservação da natureza. Infelizmente, no governo, temos quem além de fechar os olhos aos impactos deste mega evento sobre o ecossistema, ainda o patrocine!

É inacreditável que um evento deste tipo e desta dimensão tenha sido autorizado pelo governo regional e pela direção regional do ambiente.

Um dos dramas desta terra é que o ambiente é apenas verbo de encher na boca de governantes que veem a conservação da natureza como flor na lapela para adornar negócios. É o que dá colocar a raposa a guardar o galinheiro.

Sobre o/a autor(a)

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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