A maior preciosidade do Congresso do PSD, caso dele resultasse uma ideia válida - ou concreta, que fosse - para o país, teria sido o clima aparente. Calmo, tépido, temperado. Mas nos escombros de um longo Rio tranquilo vivia-se tudo menos tranquilamente. Com monotonia no ar, desconforto à flor do tapete e águas revoltas nas profundezas, o congresso que entronizou Rui Rio como presidente não o concebe sequer como hipótese para primeiro-ministro. E essa foi a primeira lição com que Rio terá saído do congresso. Não poderá esperar paz, nem tão-pouco um período razoável de estado de graça. Rui Rio saiu do congresso na certeza de que ou muda o partido ou o partido muda de líder.
Reformar o partido é um desígnio inequívoco do novo líder. E a primeira metamorfose reside precisamente na personalidade da liderança, ainda que num valente piscar de olhos ao passado. A sua rodagem autárquica e a imagem pintada a contas certas (porventura só os portuenses saberão a que custo...) permitiram-lhe ganhar eleições internas sem ganhar o partido, a que não será alheia a quarta-tentativa-quarta do seu opositor de circunstância, Santana Lopes. Mas só o PSD saberá porque ostraciza tão violentamente um líder que evidencia tantas semelhanças com Cavaco Silva, a mais duradoura fonte de poder em funções que o PSD tem para apresentar ao mundo. Mudam-se os tempos, muda-se a rodagem.
De experiência feita, Montenegro atira o experimentalismo histórico das listas unificadas às malvas e assume-se como o rosto visível da oposição interna. Elina Fraga, face visível da composição, abre-se em guarda-chuva político para Rui Rio dizer ao que vem enquanto caem as primeiras pedras após a diminuição das vice-presidências e as alterações dos finos equilíbrios regionais. Já ontem, Hugo Soares, líder parlamentar, acusava o novo líder de "desrespeito institucional grave" pelo facto de não ter sido convidado para a reunião da Comissão Política Nacional na qual tem lugar por inerência. O que espanta é algumas pessoas no PSD não terem percebido que, na ausência de estado de graça, Rui Rio fará a guerra interna que entende necessária para dizer quem manda. Ninguém o poderá acusar de deslealdade.
Transição para a corrente. Passos Coelho ligou o partido à máquina durante dois anos e, aparentemente, o doente não se importa de prosseguir no seu estado comatoso à espera daquele dia em que a geringonça perca peças. Entretanto, Rio simula pactuar com Costa que, por sua vez, simula dialogar com Rio. O mais provável é que, bem antes de poder transbordar para o país disputando e ganhando eleições, amarrado às máquinas e acorrentado, uma boa parte do PSD tudo faça para ver Rui Rio transbordar dentro do partido, galgando as margens para desaguar em marés vivas.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” 21 de fevereiro de 2018
